terça-feira, abril 28, 2009

Pedreira da Fazenda, o poema possível


Secular sítio
Que se transforma
Num frenesim de calmaria
Em intervalos de paciência
Se te pudesse aprender
E soubesse falar contigo
Perguntava-te o que já viste
Quantos aqui te alcançaram?
Quantos não te entenderam?
Respeitaram, amaram
Desprezaram, não repararam
Quantos aqui já viram
A tua nudez, a tua inocência?
Quantos já ousaram
Beber-te a sapiência?

Lugar antigo
Que se transforma
Dos elementos abrigo
Nos elementos perigo
Húmido, frio, sombrio
Onde deslizas anelídeo
Onde o procuras ó melro
O teu bico amarelo
Será o seu jazigo
Aqui a metamorfose
É um rio de água nova
E as pedras postas por ela
É a larva que nada, tosca
E o peixe que não a deixa ser mosca
É o girino sem saber quem é
Rã? Sapo? Se houver fé

Mas adivinha-se o feixe de sol
A reflectir partículas de soslaio
Desenham milagrosamente o raio
Trespassando ramos torcidos
Pela vontade de beijar o rio
Sazonalmente despidos
De folhas que flutuam depois
À deriva, na velocidade
Denunciando a intenção
Ainda só sonho, ilusão
Pois na nervosa tranquilidade
Com ligeireza ou dificuldade
Há um objectivo a findar
Há enfim que chegar ao mar

segunda-feira, abril 20, 2009

Pedreira da Fazenda

Pedreira da Fazenda IV - Fotografia de Ricardo Cruz.



Desta vez decidi fazer as coisas na ordem inversa. Ou seja, primeiro vou postar a fotografia e só depois, quando tiver coragem de o fazer, virá o texto.
Talvez desta forma dê para entender melhor o desafio que tenho entre mãos.
Aproveito ainda para solicitar que experimentem também. Seria interessante. Eu sei que não há muita gente a seguir este blog, mas os dois ou três que aqui vêm de vez em quando podiam tentar. Que dizem? Em verso, em prosa, uma única frase, uma única palavra, qualquer coisa...
Obrigado.

terça-feira, abril 14, 2009

E assim foi:

Quando a ideia surgiu, numa conversa de balcão, entre incontornáveis imperiais e tremoços ubíquos, fiquei entusiasmado e pareceu-me um excelente desafio. Aceitei de imediato, embora alguma inquietude me tenha assolado ao dar-me conta da responsabilidade tremenda que acabara de assumir.
Assim, quando o Ricardo me enviou dois trabalhos dele para eu tentar escrever qualquer coisa que lhes emprestasse alguma coisa, já sabia o que aí vinha. E o que aí vinha era arte. “Será que vou ter arte, para a arte que aí vem?” Pensei.
Fiz o download. Abri a fotografia. Já a conhecia e sempre gostei dela… Mas agora tinha que a conhecer ainda melhor, tinha que entrar por ela adentro e entendê-la à minha maneira.
Olhei para ela, observei-a bem, contemplei-a, admirei-a mesmo… Ia tentando adivinhar onde era, ia tentando perceber em que ambiente se inseria. Mais rural, parecia-me. O degrau, o chão que parecia de terra batida… Enfim, tirava elações directamente da noite, que, já agora, me parecia quente. Devia ser Verão. Abri a folha de texto ainda sem ter nada pensado. Estava perante a mesma, a tentava decidir como e o que escrever…
Enfim, não foi nada fácil, mas nem só de coisas fáceis se faz a existência e não é por elas que se reza.
De repente identifiquei três personagens principais: a porta, a luz e a noite… A partir daí decidi assumir o papel de observador dirigindo-me directamente à luz, que assumiu então relevo na estória (ou história?) e se tornou minha interlocutora. Depois a porta como sua adversária, mais tarde sua cúmplice e a noite que as envolvia. Assim nasceu o texto abaixo. Achei interessante explicá-lo, contextualizá-lo… Só naquela.
NOTA: Enquanto o escrevia estava a curtir, assim que acabei achei que tinha ficado mais ou menos e quando o reli achei mesmo fraquinho, muito aquém… Depois confortei-me: “Ok. É normal. Se uma imagem vale mais de mil palavras e eu só escrevi 316…”

sábado, março 28, 2009

Light from the inside




Já tinhas pedido para sair… Querias emprestar-te ao breu exterior, que conseguias apenas desafiar pela estreita fresta por baixo dela. Excitava-te a possibilidade de te poderes espalhar pela noite quente que adivinhavas lá fora. Imaginavas poder vencê-la também, já que o interior inundava-lo facilmente, conquistando-o sem esforço. Ela sabia que te esperava o infinito, mas apreciava a tua ambição. A sua experiência dizia-lhe que a tua pretensão era inatingível, mas interessava-se pela tua altivez irreflectida e estava tentada a deixar-te fracassar para seu gáudio. Tu insististe uma última vez e ela não pôde deixar de aceder ao teu sôfrego pedido. Porém, preparou-te uma surpresa, uma pequena partida para te humilhar e ocupar depois a posição de mestre, ensinando-te a tua pequenez. Abriu-se, mas deixou ficar o artefacto que a ajuda a deixar de fora pequenos visitantes indesejados. Tu, à tua velocidade que é a maior de todas, não hesitaste e precipitaste-te por entre as fitas bamboleantes… Despenhaste-te na escuridão e estilhaçaste-te em estrias no chão. Tu querias que ela se abrisse ainda mais, mas ela já te receava porque não te esperava tão esguia, tão fluida, tão escorregadia… E observava-te admirada, enquanto seguias paralela às linhas de sombra, pelas quais o anti-insecto, seu amigo, se auto-responsabilizava reclamando para si, embora discretamente, a autoria da textura que tu desenhavas sem querer. Percebias imediatamente que a tua ambição era infundamentada, mas o maravilhamento que experienciavas impedia-te de te sentires desiludida. O oculto, o misterioso, a noite que era mesmo quente… Agradecias-lhe e ela sorria também feliz, percebendo que afinal, apesar do atrevimento, merecias esta liberdade, pelo menos por uns momentos… No fundo, também ela apreciava mostrar-se à noite e tu permitias-lhe essa exposição. Sentia-se leviana por se expor, mas a inquietude que se apoderara dela, deixava-a excitada e permanecia assim, entreaberta, permitindo-te a viagem.
E a noite, daltónica, aguardava este momento… O instante em que ela se abriu para tu passares, foi o mesmo em que a noite assassinou a curiosidade que a matava e espreitou lá para dentro. Sobre o que viu não vai rezar esta história, mas tu sabes o que lhe mostraste enquanto te distraías a explorá-la também.
E foi neste acordo harmonioso, num silêncio feito de grilos e rãs, de corujas e uivos distantes, que se terá ouvido o clic que roubou a alma ao momento eternizando-o, podendo agora eu, abusador, pintá-lo nestas linhas.



Fotografia de Ricardo Cruz.

sexta-feira, março 20, 2009

Vivo com ele...


Já não sou eu que vos escrevo. Este que vos fala não é agora o mesmo. Pode voltar a ser, vai voltar a ser, mas não o é. E porquê? Porque reparte a existência, que se quer una, singular, própria, com um herpes colossal. E podem pensar que exagero ao pôr as coisas nestes moldes, mas deixem-me argumentar…
Ter uma crosta entre o lábio superior e a narina direita, visível da lua a olho nu, por si só já não é fácil. Eu, que tenho estas manifestações fúngicas amiúde, até já devia estar habituado a conviver com elas. Mas a verdade é que de cada vez que uma ligeira comichão, um pequeno ardor se inicia na zona abaixo do nariz e por cima do lábio superior, ou seja, se eu tivesse nascido uns anos mais cedo e seguido uma carreira futebolística nos anos 80, na zona do bigode. Cada vez que aí sinto uma pequena fogueira, já sei o que aí vem. E fico imediatamente afectado, o mundo desaba (novamente) sobre mim. “Porquê? Porque é que apareces agora? Assim, sem avisar?!” São algumas das perguntas que faço ao espelho, enquanto me demoro a observar com admiração a pequena organização de fungos, consumindo parte da minha epiderme, transformando-a numa pasta amarela e depois numa crosta, variando entre tons esverdeados até tradicional castanho avermelhado. Depois solta-se, destapando finalmente a nova pele que cresceu entretanto, por debaixo. A totalidade do processo demora cerca de duas semanas.
Se ao menos houvesse uma causa conhecida para o despoletar do fenómeno. Se eu pudesse evitar de alguma forma… Por exemplo, se a causa fosse a ingestão de um marisco bivalve originário da Polinésia Francesa, eu sabia que se o ingerisse, por melhor que fosse o seu sabor e o prazer que teria, conviveria duas semanas com a manifestação de um bicho que vive debaixo da minha pele há uns tempos. Podia então ponderar: “será que vale a pena? Hmm, para mim são uns percebes, fachavor.” Mas não, não há razão, não há causa aparente, o ser não escolhe datas (quer dizer, às vezes parece que escolhe: as mais impróprias), não tem preferências por nenhuma estação do ano em particular, enfim, aparece, simplesmente, sem dar cavaco. E eu que o ature, irremediavelmente!
Não é fácil… Primeiro vem a negação: “ Não, se calhar é só uma borbulha…” Quando no fundo já sei que não é. Depois a aceitação: “Foda-se, um herpes…” Segue-se a tentativa desesperada de iniciar uma acção rápida que impeça a aparição. “Gelo, preciso de gelo para queimar já o cabrão todo!” A intervenção falha quando se constata que depois de derretido o quinto cubo de gelo consecutivo, ele continua vivo e até parece gostar do desafio. A seguir vêm as tentativas de consolo: “Eu costumo curar isto rápido. É na boa, deixo crescer a barba e isto nem se nota.” Ah pois não, nota-se lá agora!!!
O que mais custa não é o ardor, não é a comichão ou o desconforto físico em si. O que é penoso é a convivência com ele. Parece não haver forma de esquecer que ele ali está. Consigo mesmo vê-lo, se fizer assim ao lábio e olhar para baixo. Olha, lá está ele, ali ao lado da ponta do nariz. Está desfocado, mas é ele, reconheço-o. Já o conheço desde que nasceu, acompanhei toda a sua evolução ansiosamente. Vi-o no auge da carreira e agora que está decadente fico cada vez mais feliz, sabendo o seu fim se aproxima vertiginosamente. A sua existência, apesar de curta, foi intensa e vigorosa. O seu fim será súbito, quando o último pedaço de crosta cair…
Não deve ter passado um minuto, nestas quase duas semanas em que fomos dois, que eu não me tenha lembrado que o carrego na face. Não deve ter existido um minuto que, por mais que eu evitasse, não lhe tivesse tocado com o indicador, na esperança de que a crosta já estivesse madura o suficiente para, acelerando o processo, eu a arrancasse cuidadosamente, sem prejuízo para a frágil epiderme que entretanto se regenerou…
E depois é a sociedade… O mundo não compreende, o mundo ainda não tolera certas diferenças. Quantas pessoas passam por mim e apontam, enojadas, às vezes mesmo de forma jocosa… (Agora sim, exagerei…) Não, a sério, o pessoal pergunta: “ O que é isso, pah? O que é que aí tens?”, apontando para o próprio bigode, franzindo a testa, engelhando o nariz, com uma expressão de solidariedade, mas que não deixa escapar um laivo de alívio, por não serem eles as vítimas de tal enfermidade. Não são raras as vezes que dou por mim, de forma inconsciente, a tapar com uma das mãos a zona afectada, enquanto dialogo com alguém, envergonhado, afectado, desconfortável, enfim, sem ser eu.
Bom, depois de tudo isto, espero que me tenham compreendido e percebam a hipérbole que encerra toda esta exposição. Um beijo… Epah, um beijo não, que estou com herpes! Um abraço (mas não muito apertado, ok?!).

segunda-feira, março 16, 2009

O jantar U!

O jantar do dia U, que decorreu no passado Sábado já toda a gente sabe onde, foi um sucesso!
Registou-se a maior afluência de sempre. Foram 15 indivíduos a sentir a chama U, numa noite memorável em que se comeu bem (pelo menos o Lelo comeu de certeza, a julgar pelas fotos que se seguem), em que reinou a alegria e o companheirismo, em que houve cânticos (é perguntar ao Zé do Caçador) em que foram visitadas memórias partilhadas e lugares míticos da nossa terra (João dos Calos, por exemplo).
As imagens valem mais que mil palavras, é o que consta, portanto seguem algumas:



O pessoal todo...


Aqui há amor (ou então confundiu o Bicas com uma lagosta)



Agora sem confusão (sim, aquilo era o prato dele...)


O mano, o gordo, eu e o meu herpes...


Os manos mono! Ele tentou dar luta, mas ainda tem que comer muita lagosta... Parabéns David, se não é o recorde do Guiness, é pelo menos o recorde do Relvão!

O brinde (um de muitos)... Sim, os donos da casa também tiveram que beber.

Equipa


A equipa a esparvoar...


Pelas calçadas das avenidas...




A escolha musical possível na cervejaria Sto António, vulgo João dos Calos.

À porta do Zé do Caçador... A gente bem queria mais uma, mas a vizinha de cima tem um míudo pequeno. Mas foram momentos bonitos, os que se viveram lá dentro (o Zé estava em êxtase).

Bem, e foi assim... Não há muito a acrescentar, apenas desejar que a tradição se mantenha e vá crescendo com o passar dos anos. Que sejemos cada vez mais e que continuemos com o espírito U bem vivo (what ever that means...)


Sou dos Ultras, sou descontrolado, ts ts ts... rárárárárá!

quinta-feira, março 12, 2009

Ontem foi dia U!

Assim como o Natal, o dia U é quando um Ultra quiser, mas o que é factual é que a certa altura o “onze do três” ficou na história como o dia U.
Por esta ocasião e em honra não se sabe bem do quê, para comemorar, além da nossa existência, nada, é costume uns quantos jovens (que já foram mais, quer em juventude, quer em número), juntarem-se num agradável convívio.
Assim, lembrei-me que há um ano escrevi sobre esta efeméride e a sua génese. O texto que vos trago à lembrança não ganhou nem uma ruga desde o dia em que foi escrito, ao contrário de nós, os ditos jovens. Tinha um bocadinho de pó porque não o arrumei como deve ser, mas depois de uma sopradela e os espirros consequentes, aqui está:


Hoje é dia U (”Onze do três!”)

O dia dos Ultras foi uma ideia já nem sei de quem, já nem sei há quanto tempo, nascida numa descontraída noite de 11 de Março, no seio de um grupo de jovens sonhadores, que se encontravam na altura num estado de psicose colectiva, provocada maioritariamente pela concentração excessiva de álcool no sangue, mas também pelo clima de euforia e regozijo que caracterizava as “reuniões” daquele grupo de tertulianos.
Alguém proferiu, sem ter consciência momentânea da importância do que estava a ventilar, entre soluços e o andar cambaleante: “Epah, tive uma ideia: a partir de hoje o dia 11 de Março passa a ser o dia dos Ultras!”. Ora dizer isto no clima que se vivia, foi o mesmo que atiçar um doberman com raiva a um grupo de adeptos afectos a uma qualquer claque, possuidores de estupefacientes e com paus nas mãos (fui longe demais na analogia eu sei…) Logo a seguir alguém completou: “Yah, a partir de hoje, no dia 11 de Março temos de nos juntar e fazemos uma granda jantarada, seja onde for que estejamos…” O carácter definitivo da coisa ficou selado, quando houve quem dissesse: “Epah, mas isto tem de ser mesmo a sério e para sempre!” Obviamente que tudo parecia fácil na altura e fizeram-se promessas de cumprir o estipulado, como se de uma lei divina se tratasse.
Os anos foram passando… Nos primeiros aniversários ainda foi fácil juntar o núcleo duro (Eu o Roy e o Bicas, porque o Gandalf já era complicado convencer a vir…) e houve até indivíduos que não faziam parte da formação inicial e que ampliaram o grupo em determinados jantares (o Panqueca, o Lelo, o Varela, não sei se o Barradas e o Claide Zéi não chegaram a vir também, entre outros Ultras…)
Mesmo já no tempo da faculdade, cada um para seu lado e às vezes do mesmo lado, íamos conseguindo sempre juntar-nos. Umas vezes éramos mais, outras vezes éramos menos, mas o espírito era o mesmo, o da fraternidade. O objectivo era o mesmo: o convívio e a partilha uns dos outros, do que éramos, do que queríamos ser, com quem e onde, entre outras interrogações com mais ou menos sentido (cada vez menos com o aproximar do alvorecer), que surgiam entre a bruma da madrugada que nos ia envolvendo…
Depois, a vida despreocupada e ocupada só com sonhos, criatividade e ilusão foi acabando e chegou a ocupação, a objectividade, o material… E tornou-se cada vez mais complicado reunir os Ultras. Ok, o jantar não pode ser dia 11, será no fim-de-semana seguinte, tudo bem. O jantar realizava-se na mesma e não havia espiga.
O ano passado, por exemplo, o jantar foi para aí um mês depois, já meio descaracterizado, mas foi fixe na mesma, claro!
Hoje em dia a chama do dia U está fraca, é verdade, mas continua a resistir a tempestades e vendavais e nem que seja outra vez daqui a um mês, havemos de ir jantar ao Príncipe, pelo menos o Roy, eu e o Bicas… “Ó Zé Manel, encomenda mas é os bichos que os Ultras vão aí…” Não sabem quando, não sabem quantos, não sabem quais, mas hão-de ir!
O futuro do dia U é uma incógnita, mas desconfio que enquanto houver amizade entre nós, vai haver pelo menos um telefonema a lembrar a data, nem que seja da China.

Ultras?!”

Depois de reler o texto, queria apenas referir, para além de que está muito bem escrito, que o ano passado o jantar se realizou no sítio do costume e para além do núcleo duro (eu, o Bicas e o Roy), vieram também o Zé Luis, o Varela e o Panqueca… Epah, se me estiver a esquecer de alguém, acusem-se por favor. Foi um belíssimo evento, do qual apenas há um registo fotográfico no telemóvel do gordo, detentor de um único megapixel, logo impossível de publicar aqui, …
Assim, este ano, tudo aponta para que no próximo Sábado, no mesmo sítio, se reúnam os do costume, os do ano passado e quem mais queira vir e engrossar o naipe de personalidades Ultra.

Abraço a toda a família Ultraniana (what ever that means).

sexta-feira, março 06, 2009

"Somos unha com carne ou não somos?


Trata-me por padrinho estou para saber porquê: razões que só ele entende. Esteve preso uma porção de anos, catorze, quinze, traficava pó, metia pó, continua a traficar pó e a meter pó, na semana passada procurou na meia esquerda
(na meia direita trazia dinheiro escondido, uma porção de notas)
tirou da canela um par de saquitos
- São para você, padrinho
e lá fiquei com a coca na palma enquanto ele me dava um beijo
- Somos unha com carne ou não somos?
na esperança que eu corresse para casa a enfiar o presente pelo nariz acima. Afaina-se para uns rapazes russos, de vez em quando pede dinheiro às pessoas com uma navalha persuasiva, cheia de argumentos: parece que a navalha torna as pessoas generosas, sensíveis às razões do meu afilhado. Na mão e no braço tatuagens da cadeia que exibe no orgulho com que se mostram carimbos de países exóticos no passaporte: Vale de Judeus, Pinheiro da Cruz, outras estâncias balneares, sítios de férias de luxo para ricos. Um amigo comum, estabelecido no bairro, aconselha-me
- Não se ponha a pau, não
a agitar o dedo avisador e não me ponho a pau. A pau porquê? O mais que ele faria era apontar-me as razões ao umbigo quando a branquinha lhe subisse à ideia. Garante, de lado
- Você escreve livros
e demora-se a olhar-me, pesando o facto. Em certa medida somos iguais
- Também já apareci no jornal
e nunca vi bochechas tão côncavas ao chupar o cigarro: o fumo deve chegar-lhe à alma e enovoa-la inteira. Contam-se-lhe os ossos de magro que está, faltam dentes. Interesso-me
- Mastigas com quê?
e encolhe os ombros, desiludido com a estupidez da pergunta: há-de existir um molar em qualquer parte, nem que seja no esófago, a roer ainda. Que me lembre nunca dei por ele a comer, dou por ele, aqui e ali, a trabalhar cálices de bagaço com sete ou oito cotovelos no balcão, pobre tarântula tão mal vestida, à beira de ser encontrada num jardinzeco qualquer, de agulha no braço, ou a bater, na vazante, contra a muralha do Tejo: já traz a morte na cara, e a boca desmobilada aparenta-se a uma concertina de pregas tortas. Mês sim mês não desaparece, acaba por voltar a puxar-me a manga
- Precisa de alguma coisa minha, padrinho?
espiando em volta, com medo. Não me conta onde dorme
- Por aí
não me explica onde esteve
- Lá está você
transformou os três pontos tatuados de uma das prisões numa estrela de David
- Há muito chibo nestas bandas
designa-me sujeitos que o perseguem em esplanadas onde não vejo ninguém, cola-se-me à orelha, confidencial
- Ando a faltar aos russos
e contrai-se de medo:
- Tem por aí meio euro que me empreste?
dado que um golinho de bagaço engorda a coragem e traz boas intenções consigo:
- Um dia destes trato-me
projectos de vida
- Internadinho para uma cura à maneira
certezas que o alcool ajuda
- Até sou capaz de me casar, palavra
com a voz a pedir colo, seguro de caber no meu
- Somos unha com carne ou não somos?
e não lhe poiso a palma no ombro para impedir que chore. Se calhar engano-me e está sequinho por dentro. Não, não está sequinho por dentro
- Eh pá consigo fico esquisito, padrinho
e um grão de ternura, intacto nele, a tremer, a arredondar-se, a transformar-se em lágrima que a manga limpa
- Tenho uma filha
que a mão não acaba de limpar
- Uma filha sabia?
puxo de mim
- Onde está ela?
e a resposta furiosa
- Lá está você
a empurrar-me
- Lá está você, carago
a detestar-me. Julgo que a faquinha vai vir e não vem, vem um murmúrio
- Padrinho
a convicção
- A gente os dois dávamos cabo disto
num gesto panorâmico a abarcar o mundo
- A gente os dois chegávamos
e ele, todo côncavo, a chupar o cigarrinho, a chupar. Segue rua abaixo a caminho de uma nova desdita, num passo vagaroso, oblíquo, enredando-se na trela do basset de uma senhora de idade
- Porra de cão
e a senhora, de saco de compras, apavorada. Salva-se da trela, continua, vira uma esquina, perco-o. Se o chamasse ajudava? Se concordasse
- A gente os dois dávamos cabo disto
melhorava? É a lágrima que a manga limpa que me inquieta. Também tenho uma ou duas, escondidas. Só que tão no fundo de mim que não consigo limpá-las. Não faz mal: ninguém dá por isso. E se dessem por isso não davam: de pequeninas que são confundem-se com a pele. Tens razão: unha com carne, afilhado, tens razão, a gente os dois dávamos cabo disto. Algum de vocês tem por aí meio euro que me empreste para enganar a coragem?"



António Lobo Antunes - in Visão



Independentemente do conteúdo, que é indubitavelmente interessante, de reflexão premente por todos nós, enfim um daqueles temas que nos toca sempre... Independentemente da abordagem fenomenal, queria só, do alto da minha ignorância sobre questões de semântica e sintaxe e demais particularidades da forma, dizer que achei este texto qualquer coisa de brilhante. Há uma espécie de fluidez na leitura desta peça que impressiona. E depois a descrição, que não é descritiva mesmo, sei lá... É de pensar que não vale a pena... Há quem o faça tão bem...

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Crise económica, BPN, Freeport, casamento homossexual, eutanásia? Hã? Vem aí mais um derby, pah!...

Reformulo: vem aí o derby! Quem é que se vai lembrar de questões menores agora? Mais importante do que saber quem é que o PSD vai desenterrar para a presidência de Lisboa é saber se vai jogar o Suazo ou o Cardozo. E o Yebda, que foi poupado, vai jogar, não vai?
Desde que comecei a escrever este texto já devem ter sido despedidos mais uns cinquenta mil portugueses, as acções de uma grande construtora já desceram mais 40% e o número de casos de raiva em Angola já duplicou, mas o que é que isso interessa? Com que laterais irá jogar o Paulo Bento? Grimi, Abel, Pedro Silva, Miguel Veloso, Caneira… E o Patrício, será que a prótese já chegou? Joga ele, ou será que temos Tiago (dá-se bem contra o Benfica…).
Jorge Ribeiro e André Luiz? Maxi? Epah, difícil… Quantos Magalhães terá o Sócrates entregue desde que estou a escrever isto?
E o Di Maria? Afinal como é que é? Afinal também marca golos brilhantes quando o Maradona não está na bancada? Joga ou não? Há o cigano, que até gosta de jogos grandes, há o Ruben, que já devia ter ido para o meio há algum tempo… Então e outro puto de treze anos? Afinal é ou não é o pai da criança?
Na Austrália os incêndios não dão tréguas aos soldados da paz daquele país e na Venezuela confirma-se que haverá ditadura até o outro querer. Então mas e na frente, Paulo? Levezinho, Derlei, Vuck, Postiga… Quem? Que dupla, o que é que te passa por essa cabecinha tão bem ornamentada?!
Mas achas que os gajos deviam poder adoptar também? Mas já o fazem, ou não sabes que podes adoptar um puto sem seres casado? Não, naquele meio campo tem de haver Katso, Yebda e Aimar… Ou arriscas Ruben no meio? Ou Carlos Martins? Esse não, pois não Quique?
Fecharam mais 34 fábricas e o ministro japonês bebe gins. O outro fuma ganzas… Então mas é um puto como os outros, ou não? Ganhou umas quantas medalhas e tal, submeteu-se aos testes todos, estava limpo…. Qual é a espiga, Bob? Não, o Veloso não deve calçar… E o Yannick? Nem convocado, às tantas… O Moutinho sim, esse está em grande forma. Esse e o Russo dos tiques no pescoço, que às vezes dá ares de grande jogador de bola… Como é que ele se chama?
Seja como for, para bem da nação e independentemente de quanto é que os administradores do BPN receberam por fora, temos um derby este fim de semana! Quem quer que jogue, que seja um grande espectáculo, que dignifique o futebol português… Epah, mas quem sou eu? O Sócrates? oOPaulo Portas? Que demagogia… Eu quero é que o Benfica ganhe, nem que seja com um penalty como o outro…

terça-feira, janeiro 20, 2009

A indecisão


“Se não fores vais arrepender-te, se fores, podes sempre não gostar e vir embora…” “Ó filho, temos que aproveitar as oportunidades…”, “Quem tudo quer, tudo perde…” É melhor jogar pelo seguro, mas…” “Não sei, tu é que tens que decidir. E ela, já falaste com ela? O que é que ela diz?” “Eu ia, era já agora. Já viste bem as condições… E a evolução e o currículo, não podes deixar escapar uma cena destas…”
São apenas algumas das muitas frases que me tem sido dirigidas ultimamente. Ajudam em quê? Ajudam a incrementar a entropia que me assola a alma, ou qualquer coisa assim. Não sei, não me sai melhor…
Enfim, decidir, dar um passo, dar outro, comer isto ou aquilo, dizer isto ou aquilo, quero ser isto ou aquilo, jogo futebol ou jogo basquet, quero tocar saxofone, não, piano, vou para este curso, vou para aquele, vou de férias para aqui ou para ali, com este ou com aquele, este emprego ou o outro, caso, não caso, caso agora ou mais tarde. Emigro, ou não emigro? Passa-se a vida a tomar decisões.
Será que a opção por um caminho em vez de outro é apenas resultado inúmeros factores, impossíveis de pesar à luz das análises probabilísticas mais avançadas, inerentes a anteriores escolhas e experiências? E no fim, o caminho a seguir seria sempre aquele que acabamos por tomar, é isso? Ou seja, à luz do determinismo, não me devia encontrar agora com tanta impaciência e mau estar. Para quê passar as passas do Algarve (que adequada, esta expressão…). Para quê tanto exercício, dar tanto trabalho a esta balança chamada consciência e carregá-la positiva e negativamente com este e aquele factor?
Acho (ou achava, sei lá o que acho) que sou um gajo não muito ambicioso no que toca a luxos e futilidades: não quero uma casa espectacular, nem um carro que custa um apartamento, por exemplo… Para mim, desde que dê para ter um poiso confortável, poder fazer umas viagens de vez em quando, está tudo bem. Portanto, se calhar não devo decidir pela perspectiva mercantilista da questão, não é?! Ok, então porque é que continuo com tantas dúvidas? Porque se trata de um salto na carreira? Um enriquecimento pessoal e curricular? Uma aventura, que posso depois dizer que já vivi, independentemente do que daí resulte? Uma coisa é certa: se não vou, não sei como é… Se for e o sacrifício (porque o é…) for mesmo insuportável, venho-me embora e assumo o que daí resultar.
Então o que tens a perder? Epah… Que pergunta… Passar uns meses sem: namorada, família, amigos, futebol, música. Só isso!
Depois é continuar no mesmo mundo, em que há pouco mais para além do óbvio. Certo que já me habituei à ideia e ao fim de dois anos nisto, até não se afigura como insuportável. Confesso que há alturas em que me realizo e gosto realmente do que faço. Mas será que é isso que quero fazer o resto da vida? Passar o tempo de um lado para o outro, a enlouquecer com responsabilidades, a gerir o dinheiro dos outros, numa selva de interesses e jogos, onde a palavra conta pouco ou nada e se desconfia até do pedal do travão. A tentar não ser enganado por este e ludibriar aquele. Sim, porque um bom negócio, nunca o é para as duas facções nele envolvidas, tenho dito. Se fosse tudo justo e se uns não saíssem a ganhar mais do que outros, não existiriam as fortunas obscenas que existem, não é? Mas isto é outra discussão. Como diz o outro: “São outros quinhentos paus!” Continuando… Viver agora aqui, depois ali, sem nunca parar em casa. Na melhor das hipóteses, visitá-la ao fim de semana e esperar que os meus filhos ainda se lembrem da minha cara e corram para mim a gritar pai, de braços abertos… Eu vou levantá-los, um em cada braço e perguntar: “Então e como correu a escola esta semana? Foste aos treinos do judo e do futebol. E tu, foste à música, já sabes o solfejo? E a dança?” E eles respondem: “Pai, estamos de férias, esqueceste-te. E eu já não ando no judo, agora estou na natação. E eu já sei tocar aquela do Carlos Paredes que tu disseste, queres ouvir?” Enfim… Já estou a fazer uma longa-metragem, quando no fundo vivemos apenas uma curta… Talvez não devesse pensar tanto e avançar mais instintivamente… O que são 6 meses ou um ano? O que pode significar uma experiência destas na vida de um indivíduo? Será assim tão determinante? Pode ser, pode não ser… As mudanças são sempre para melhor ou pior… (Que cliché, estou a endoidecer, só pode… Vou reler o que escrevi, porque já me perdi. Assim como estou perdido em devaneios e considerações sobre prós e contras e contras e prós…)
Ok, já reli e sinceramente este vómito não me ajuda nada… Só me apetece fugir. Mas fugir para onde? (Lá estou eu…) Com isto tudo ainda não vi a luz no caminho… E por este andar vou ficar perdido ainda mais um tempo. Seja como for, seja qual for a escolha que fizer, vou sempre pensar mais tarde: “E se tivesse feito aquilo em vez disto? Se calhar tinha sido melhor…”

quinta-feira, janeiro 08, 2009

Time


Eles dizem-no melhor:

“Ticking away the moments that make up a dull day

You fritter and waste the hours in an off hand way

Kicking around on a piece of ground in your home town

Waiting for someone or something to show you the way


Tired of lying in the sunshine staying home to watch the rain

You are young and life is long and there is time to kill today

And then one day you find ten years have got behind you

No one told you when to run, you missed the starting gun


And you run and you run to catch up with the sun, but its sinking

And racing around to come up behind you again

The sun is the same in the relative way, but you’re older

Shorter of breath and one day closer to death


Every year is getting shorter, never seem to find the time

Plans that either come to naught or half a page of scribbled lines

Hanging on in quiet desperation is the english way

The time is gone, the song is over, thought Id something more to say


Home, home again

I like to be here when I can

And when I come home cold and tired

Its good to warm my bones beside the fire

Far away across the field

The tolling of the iron bell

Calls the faithful to their knees

To hear the softly spoken magic spells. “

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Presente



O Presente,
Este instante, agora;
Atenção, atenção a este segundo
Já passou, este agora, este!
Chega cedo, sempre cedo…
O presente, o agora,
O que era futuro já é já.
É cedo para ser já, não devia ser ainda já.
Ainda agora futuro e já?!
Se:
Se não houvesse, se não soubesse?
Não havia, não sabia,
Não haveria o saberei…
e:
E haver só este?
Não saber que a seguir?
Há?
Até que não chegue o final:
Há.

terça-feira, dezembro 02, 2008

The Big Sunday Jazz Experience


A discussão sobre as correntes filosóficas antagónicas (?) de Bergson e Decartes esteve na moda aqui há uns tempos… Entre imperiais e tremoços, depois da lebre levantada pela figura carismática de um erudito professor, sem fundamentos profundos e sim de forma descontraída ou leviana se quiserem, tentava-se rotular, talvez abusivamente, os que na discussão participavam. Os argumentos apresentados eram tanto mais estúpidos e incoerentes quanto mais avançada era a hora e, logo, o número de imperiais tragadas…
Ora no passado dia 1 de Dezembro, feriado, dois indivíduos rotulados de Cartesianos, pela formação académica nos domínios das engenharias e interesse generalizado pelas ciências, foram capazes de viver uns momentos de inspiração Bergsoniana (ou não!). Passo a explicar: o Zé da Net e eu resolvemos fazer qualquer coisa diferente da nossa tarde e fomos para o Domingão acender a lareira, abrigar-nos do frio e também tocar umas modas. Ele levou a sua guitarra eléctrica e o seu amplificador da era da Maria Castanha (velhinha que deve ser esta senhora…) e eu o meu saxofone. “Ah e tal, estive aí a ver umas cenas na Net sobre Jazz e vi este acorde e aquele…” Dizia ele, entusiasmado, enquanto produzia sons que me diziam qualquer coisa. “Epah, tenho aqui estas escalas, estás a ver, mas eu é mais tipo fisga…” Dizia eu, enquanto experimentava uns sopros encadeados…
Começamos pela lógica (como Cartesianos, talvez): esta escala é assim, logo há estes acordes assim e assado, segundo a teoria não sei quantos… Mas o resultado não estava a ser o esperado. Esperamos um pouco e a intuição foi quem nos levou: “Epah, vai tocando que eu apanho-te…” disse ele. Eu sabia que sim e ele sabia como.
E assim foi, comecei com umas frases famosas, depois fui por aí fora e quando demos por nós estávamos entre sorrisos a gostar do que ouvíamos.
O intuitivo que é o Jazz e as interpretações matemáticas que tem… A forma de o fazer, não sabemos ainda, mas começamos humildemente assim:

http://www.lastfm.com.br/music/The+Big+Sunday+Jazz+Experience


NOTA: Estas gravações foram realizadas com aparelhagem própria em ambiente acusticamente cuidado (telemóvel Nokia Xpto, na minha sala com a lareira a rebentar, uma cadela supersónica (Estronca) e uma caçada de pombos…)

terça-feira, novembro 18, 2008

Dia B... SLB!


O recente convite para colaborar num Blog dedicado ao Benfica, levou a perguntar-me como, quando e porque é que me tornei um benfiquista. Então recordei-me do episódio que a seguir relato…
Era um dia normal no Jardim de Infância, devia estar ou a tirar cacanhos do nariz, a comer pasta de dentes ou a esfregar o chão de joelhos (com as devidas protecções de napa cozidas às calças, claro).
A certa altura um puto mais velho interpelou-me, num tom altivo e ameaçador e questiona-me sem rodeios sobre a minha preferência clubística. Avançou as únicas duas hipóteses de escolha lógicas: “És do Sporting ou do Benfica?” Naquele tempo nem se mencionava o outro chamado “clube grande”. Não havia quase ninguém do Porto e os poucos que existiam era porque acumulavam outras patologias psicológicas além dessa. O tom intimidador da abordagem surtiu o efeito pretendido e a minha resposta não foi imediata, sobretudo porque havia a suspeita de que iria ser diferente daquela que o opressor queria ouvir. Respondi então a medo: “Sou do Benfica.” Sinceramente naquela altura ainda nem tinha bem a certeza, mas achava que o meu pai era do Benfica, os meus amigos também deviam ser, portanto era a decisão acertada. A minha tomada de posição valeu-me imediatamente um apertão de pescoço quase até à asfixia, a que se seguiu a repetição da pergunta, a repetição da resposta e consequente repetição da tortura. Não sei quanto tempo isto durou, ou quantas vezes se repetiu, mas resisti heroicamente sem me vergar, perante um inquisidor persistente e feroz que ansiava por uma resposta em tons de verde.
Hoje agradeço ao Billy, na altura ainda era só Fernando, que me ajudou a decidir acertadamente naquela que é porventura a primeira grande escolha na vida de um puto de 4 ou 5 anos. Nesse dia cheguei a casa e perguntei ao meu pai, só para ter a certeza: “És do Benfica, não és?”, “Claro que sim, filho”(respondeu surpreso), “E o avô? Também é?”, “Sim, na nossa família toda a gente é do Benfica…” Suspirei aliviado e o meu benfiquismo, que se resumia a uma leve suposição, passou a ser uma convicção, fortalecida pela experiência tortuosa a que tinha sido sujeito.
Refira-se que mais tarde o Billy pagou com juros aqueles apertões de pescoço traumatizantes, tendo sido brindado com bonitas projecções, chaves de braço e outras poesias que tais, quando fomos colegas no Judo. Isto numa altura em que a diferença de idade já não era determinante ou pelo menos proporcional à compleição física e atitude mental.
O meu benfiquismo foi crescendo forte e saudável, o solo era fértil, abundavam nutrientes desportivos e futebolísticos e os resultados em finais de 80, princípios de 90 ainda motivavam putos como eu era. Quando ainda pensava que podia ser jogador de futebol, ao assistir a jogos menos bem conseguidos do meu glorioso, confortava-me realizando o seguinte artifício: “Quando for grande e lá estiver a jogar, não perdemos de certeza…” Outras vezes nem isso me valia e chorava simplesmente. Hoje sei que passei ao lado de um grande carreira (o 107 para o Cais do Sodré, ou para os pontessorenses, a “carrêra pás Galveias”) e sou um benfiquista sofredor. Quem diz sofredor, diz apaixonado, mas não fanático ou doente. Não sou “doente do Benfica”, mas ando muitas vezes constipado, se é que me entendem… Assistir a um jogo perto de mim dizem que é giro, sou conhecido por ter reacções extemporâneas e até talvez desadequadas para um ser que se diz racional… Desde os insultos que dirijo sobretudo aos árbitros, mesmo estando estes dentro do aparelho televisivo e portanto com poucas probabilidades de me ouvir, até à forma como dou por mim a festejar um golo do bem-aventurado (procurei sinónimos de glorioso e achei piada a este). Ora, meus amigos, festejo muitas vezes da seguinte forma: de pé, às vezes aos saltos, gritando muito alto “chupa” e normalmente com os dedos médios de ambas as mãos em riste, movimentando os braços ritmadamente, como se simulasse a introdução dos mesmos, quem sabe, na cavidade anal dos adversários, porque não…(Que mau, é favor não registar esta última parte…)
Fui sócio durante uns anos, mas o meu padrinho, que me pagava as cotas, não gostou de termos perdido o campeonato em 96… Hoje sou “apenas” sócio do Eléctrico Futebol Clube, um dos dois maiores clubes do mundo e penso seriamente em voltar a associar-me ao outro. (Reparem nas aspas no apenas, é importante que reparem…)
Concluindo, sinto que fui bafejado pela sorte no dia em que me apertaram o gasganete, porque isto de ser maior do que os homens não acontece só aos poetas, acontece também aos benfiquistas.

quarta-feira, abril 23, 2008

A Fonte da Cidade

Se há uns meses pude “desperdiçar” tinta a escrever sobre a fonte da vila e o seu estado de degradação, devo agora também assinalar a sua ressurreição.

Sim, voltámos a sentir vida num marco histórico da nossa terra. (Falo como pontessorense e para pontessorense, porque outros dificilmente entenderão)

A Fonte da Vila foi reparada! Encontra-se de cara lavada, como se gosta de dizer agora.

Assim e porque a prosa me sai agora menos óbvia:

Lavaram-na as águas antigas,

Que despertaram almas distraídas

Antes que fosse olvidado o meio

De onde acontecem assim, cristalinas.

Trataram-na agora reverentes,

Quem por ela não olhou outrora;

Em paz, felizes, contentes,

Pois verte incessante e não chora.

Cuidaram-na quem se sentiu e sentou,

já lá por certo namorando um dia.

Pintaram-na aqueles que sabem

E quem já lá bebeu sabia,

Que morrer triste e sombria,

Que morrer assim, não podia!

Foi a tentativa… Ok, sou melhor a dizer mal! Dizer mal é mais fácil, toda a gente sabe. Mas resumindo, concretizando, sintetizando e outros gerúndios que tais: obrigado por me terem devolvido a fonte!

terça-feira, março 11, 2008

Hoje é dia U (”Onze do três!”)

O dia dos Ultras foi uma ideia já nem sei de quem, já nem sei há quanto tempo, nascida numa descontraída noite de 11 de Março, no seio de um grupo de jovens sonhadores, que se encontravam na altura num estado de psicose colectiva, provocada maioritariamente pela concentração excessiva de álcool no sangue, mas também pelo clima de euforia e regozijo que caracterizava as “reuniões” daquele grupo de tertulianos.

Alguém proferiu, sem ter consciência momentânea da importância do que estava a ventilar, entre soluços e o andar cambaleante: “Epah, tive uma ideia: a partir de hoje o dia 11 de Março passa a ser o dia dos Ultras!”. Ora dizer isto no clima que se vivia, foi o mesmo que atiçar um doberman com raiva a um grupo de adeptos afectos a uma qualquer claque, possuidores de estupefacientes e com paus nas mãos (fui longe demais na analogia eu sei…) Logo a seguir alguém completou: “Yah, a partir de hoje, no dia 11 de Março temos de nos juntar e fazemos uma granda jantarada, seja onde for que estejamos…” O carácter definitivo da coisa ficou selado, quando houve quem dissesse: “Epah, mas isto tem de ser mesmo a sério e para sempre!” Obviamente que tudo parecia fácil na altura e fizeram-se promessas de cumprir o estipulado, como se de uma lei divina se tratasse.

Os anos foram passando… Nos primeiros aniversários ainda foi fácil juntar o núcleo duro (Eu o Roy e o Bicas, porque o Gandalf já era complicado convencer a vir…) e houve até indivíduos que não faziam parte da formação inicial e que ampliaram o grupo em determinados jantares (o Panqueca, o Lelo, o Varela, não sei se o Barradas e o Claide Zéi não chegaram a vir também, entre outros Ultras…)

Mesmo já no tempo da faculdade, cada um para seu lado e às vezes do mesmo lado, íamos conseguindo sempre juntar-nos. Umas vezes éramos mais, outras vezes éramos menos, mas o espírito era o mesmo, o da fraternidade. O objectivo era o mesmo: o convívio e a partilha uns dos outros, do que éramos, do que queríamos ser, com quem e onde, entre outras interrogações com mais ou menos sentido (cada vez menos com o aproximar do alvorecer), que surgiam entre a bruma da madrugada que nos ia envolvendo…

Depois, a vida despreocupada e ocupada só com sonhos, criatividade e ilusão foi acabando e chegou a ocupação, a objectividade, o material… E tornou-se cada vez mais complicado reunir os Ultras. Ok, o jantar não pode ser dia 11, será no fim-de-semana seguinte, tudo bem. O jantar realizava-se na mesma e não havia espiga.

O ano passado, por exemplo, o jantar foi para aí um mês depois, já meio descaracterizado, mas foi fixe na mesma, claro!

Hoje em dia a chama do dia U está fraca, é verdade, mas continua a resistir a tempestades e vendavais e nem que seja outra vez daqui a um mês, havemos de ir jantar ao Príncipe, pelo menos o Roy, eu e o Bicas… “Ó Zé Manel, encomenda mas é os bichos que os Ultras vão aí…” Não sabem quando, não sabem quantos, não sabem quais, mas hão-de ir!

O futuro do dia U é uma incógnita, mas desconfio que enquanto houver amizade entre nós, vai haver pelo menos um telefonema a lembrar a data, nem que seja da China.

Ultras?!

terça-feira, fevereiro 19, 2008

A Última Noite?!


Mítica, a noite do passado Sábado… A Discoteca Primo Xico encerrou as suas portas para sempre, ou reformulando, o espaço físico onde funcionou durante 25 anos não mais vai ser o palco das noites de Sábado da nossa cidade. Digo o palco, porque foi mesmo o único palco durante largos anos… Foi tão simplesmente: a Discoteca.

Começo por tentar descrever a noite de Sábado… É difícil: dizer que as paredes do velhinho edifício voltaram a gemer água é pouco, que as portas voltaram a balançar com os decibéis, ou que chegar ao bar era tarefa complicada, continua a ser pouco, que as casas de banho escorregavam assim como o suor nas testas e o álcool nas gargantas, que o contacto humano era inevitável… Pouco! Agora dizer que houve abraços de arrepio em reencontros com amigos, que eram também reencontros com momentos vividos ali, naquele sítio. Que as lágrimas que rolavam em algumas faces eram de saudade e melancolia, mas também de exultação e cumplicidade, uma amálgama de sentimentos díspares e profundos. Esta já é uma possível descrição do que se passou…

Ao leitor que considera excessivo o uso de tanta adjectivação, posso sempre retorquir alegando que a minha visão é parcial e que a sobriedade já não imperava em mim a certa altura da noite. Não tanto pelas cervejas que ia entornando, ora na garganta, ora na pista em mais um efusivo brinde, mas mais pelo turbilhão de emoções que experimentava e que me iam turvando a percepção. Alguém disse um dia que recordar é viver ou que a vida é aquilo que tu te lembras dela (Gabriel Garcia Marquez?). Pois essa noite foi um hino ao passado numa derradeira viajem pelas noites curtas, mas intensas do Primo Xico.

A certa altura toda a gente lá ia (e aqui “toda a gente” não é exagerar muito). Lembro-me bem, o primo Xico à porta, enfiado no seu casaco, a lamber o dedo com que a seguir separava do molho dos cartões, aquele que entregava a quem queria entrar. Azul para o menino, rosa para a menina. Entrava-se e era tentar chegar ao balcão, entregar ao João Pedro o casaco para guardar, falar ou não do Sporting (se tivesse perdido sim), cumprimentar a dona Maria Maurícia, que já ia servindo um Whisky a alguém e pedir talvez à Telma ou ao João José a primeira bebida da noite: “Um Gin Tónico, se faz favor.” (a partir de certa altura comecei a gostar de Gin, mas podia ser outra coisa…) Seguia em direcção à pista. A rapaziada da Tramaga à direita, debaixo dos arcos o pessoal do cabelo à playmobil, a malta da geração acima, por baixo do DJ, que podia ser o Henrique ou o João Ernesto, ou mesmo o German, ultimamente. Chegava ao spot da minha rapaziada: cumprimentos outra vez, ver quem estava, anotar quem faltava, abraços e outras manifestações, sobretudo de afecto… Se chegasse cedo, corria o risco de a pista ainda não estar aberta. Era embaraçoso, mas havia sempre quem se chegasse à frente e perdesse a vergonha. Quanto mais não fosse porque o tempo era precioso, afinal de contas eram só duas horinhas e meia de discoteca. Depois era ver o tempo a voar, entre mais uma bebida, uma piscadela de olho naquela miúda, uma dança atrevida aqui, um abraço acolá e acabava a música. Toda a gente sabia quando chegava a última música, era fácil, era um slow. O famoso slow do Primo Xico. Havia quem passasse o tempo todo a congeminar um plano para dançar o slow com determinada pessoa. Era giro… Depois era a fila para pagar e o Xico a tentar expulsar, com a sua paciência, os mais que muitos que ali continuavam, quase sem darem conta do final da música, “Vamos embora rapaziada.”

A título pessoal, a discoteca nem foi muito marcante… Reunia-me lá com o pessoal de Sábado em Sábado, religiosamente. E convivíamos, partilhávamos, aprendíamos, experimentávamos, imaginávamos… Grande parte das relações com o sexo oposto começaram lá, inclusivamente a relação que hoje vivo. Sim, revelo aqui sem pejo, que me declarei à minha alma gémea na discoteca Primo Xico. Lembro-me tão bem dessa noite, sobretudo de como me tremiam as pernas… Epah, então se calhar até foi marcante…

Sinto que podia continuar a descrever e a contar histórias da Discoteca durante mais uns parágrafos, mas vou terminar (finalmente, não é?!), deixando aqui uma homenagem ao sítio e às pessoas que a fizeram e fazem, sobretudo porque me viram crescer a mim e a muitos outros filhos de Ponte de Sor, como eu. Obrigado!

domingo, fevereiro 17, 2008

Há dias...

Há dias reparei que não sabia mais o que fazer em relação a determinado assunto. Fiquei confuso, baralhado, dúvidas surgiam-me e encerrava-me tamanha entropia, que não era capaz de discernir, decidir, saber. Não era capaz de saber, que sentido tem isto? Acontece-me por vezes ficar na merda e nem sequer saber dizer porquê, não sou capaz de saber porquê! Sei talvez separar episódios que podem ter conduzido a tal estádio, mas quando finalmente descubro um e o isolo, não faz sentido, são sempre demasiado pequenos para tamanha indisposição. O assustador é a facilidade com que a atinjo, a condição, e a dificuldade com que dela me liberto… Não é dramático nem acredito ser patológico, talvez até tenha exagerado e pareça louco, mas lá que é lixado é. Será que tenho necessidade de ficar assim às vezes, é isso? Ou é algo latente e que pode sempre ser usado como desculpa, mas que, à semelhança de um jogo de computador estou a guardar esse truque para o Boss e depois nunca o chego a usar?… É lixado, mas o mais lixado é não saber porque estou lixado! Que não-me-lembro-o-nome-da-puta-da-figura-de-estilo mais fácil e previsível… Patético! Já a forma como saí agora foi gira, tenho que admitir que não estive mal…

Ok, fiz parágrafo, portanto devia mudar de assunto ou pelo menos cortar, de alguma forma, com o que foi dito antes e talvez esta frase seja suficiente já que agora o assunto é a sintática ou semantaxe ou simantica ou semântica ou sintaxe nunca sei e não pus aqui nenhuma vírgula para que a ideia seja ilustrada. Não até sei, mas foi um bom artifício, não foi?! Bom, com isto tudo, estou a sentir-me melhor. Fez-me bem esta espécie de vómito. Sim, vómito! Quando se está maldisposto normalmente fica-se melhor depois da regurgitação. No fundo, esta folha de texto funcionou como uma sanita… Até estou a apoiar uma das mãos no PC e ajoelhei-me em frente a ele para que a ideia passe ainda melhor. Não, é mentira, não estou nada, ainda não estou assim tão perturbado… Aliás, volto a dizer, a minha terapia está a resultar, não sei o que vomitei, mas estou a ficar melhor. Continuo sem saber porque estive lixado, mas já não estou, portanto que se lixe, vou mas é jantar, que o meu mal se calhar é fome.

sexta-feira, janeiro 11, 2008

A certa altura o concreto

Era uma vez eu

Ocupado sem afazer

Com a missão de sonhar

Aprender, criar

Descobria, inventava

E já havia o tempo

Mas havia tempo

Agora continua a haver o tempo

E já não há tempo

A certa altura: concreto!

Máquina, recurso, objecto,

E cada vez menos tempo

Não há mais tempo

Senão para o concreto.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Quero a noite?

O bafo frio do dragão na escuridão

A silhueta negra da azinheira seca

Num índigo alvorecer húmido

A energia que passa entubada

E o protelado orgasmo que surge

Agora, inesperado, sujo talvez.

A energia, agora concentrada

Já amarela, clara, quase iluminada

Ela que ilumina, agora encandeada

O dos deuses néctar, derramado

No relevo, ingénuo e incauto

Pronto a ser absorvido, devorado

Também o bafo do dragão agora espalhado,

Agora aquecido e iluminado

Estáticas imagens que se revelam

Na velocidade do macadame negro

Agora iluminado, espalhado e esvanecem-se

E a seca azinheira, mais seca agora

E a entubada energia e o dia!

Já é dia, é dia!

Quero a noite?