segunda-feira, novembro 27, 2006

"Há aí um projecto..."


“Então este ano, para onde vais espalhar o teu perfume?”

Respondi que não sabia ainda, que o meu futuro era incerto e que provavelmente não iria jogar. Ao que ele responde:”É que há aí um projecto…” (Estas reticências não são meramente decorativas, a entoação dada às palavras, a maneira de articular a frase, acompanhada de uma expressão facial de mistério e ao mesmo tempo de revelação eram implícitas.)

Assim nasceu, ou melhor, foi reinventado o termo “projecto”. Fossem estas palavras pronunciadas por alguém menos popular, de menor reconhecimento, digamos assim, e teria sido mais uma conversa banal… Mas não, estávamos perante Rui Maside, personagem querida do “pessoal todo”, carismático director desportivo do Eléctrico Futebol Clube, antiga glória do V. Setúbal e do Sporting. Conhecido pela maneira descontraída e sobretudo irónica com que brinda os seus interlocutores, seja qual for o teor da conversa. Ainda assim, seria mais uma conversa com o mister enquanto ele simulava desferir murros no ombro e essas coisas que faz sempre… Porém, quem é que se encontrava presente para além de mim e teve a suprema felicidade de ver baptizado o projecto? Nem mais nem menos que Bruno Castro, ou seja, Dona e Jorge Fernandes, ou seja… Pessoa. Qual Pessoa? O Pessoa… Ah, o Pessoa!

Será preciso dizer que mal estas palavras foram ouvidas por estes jovens, eles viram a luz? Perceberam de imediato que tinham presenciado o nascimento de uma nova era: a era do Projecto

Trocaram-se mais umas impressões, mas nem me lembro o que se disse, nem é importante… Na primeira oportunidade, comentamos a sorte que tivemos de assistir à génese, à descoberta do projecto… Estávamos felizes, víamos o mundo de outra forma a partir daquele momento… Nesse dia, assistimos ao pôr-do-sol. O âmbar que pintava o céu em pinceladas descuidadas, o chilrear melódico dos pássaros e o sussurrar suave do regato, tudo era lindo! Nas nossas mentes ecoava repetidas vezes a palavra “projecto”, estávamos em paz interior… Ok, fui longe demais, vou parar com estas paneleirices… O que aconteceu de facto é que estes dois compinchas e eu próprio (que nem somos nada gozões), não perdemos tempo a espalhar a Boa-nova: “Ia haver equipa de futsal… Era o… Adivinhem…PROJECTO!!!

Daqui em diante, o referido termo era o mais ventilado nas conversas de café. Muitas vezes vinha acompanhado de uma estridente gargalhada, entre golos de imperial e tremoços aos montes…

O projecto concretizou-se… Temeu-se o pior… O projecto ia acabar. Porque, pensem comigo: um projecto é um planear de qualquer coisa. Quando essa coisa se concretiza, deixa de ser um projecto e passa a ser uma realidade, não é? Mas neste caso tudo era diferente, este conceito tinha adquirido uma dimensão diferente, maior… E a obra que hoje está em marcha, continua a ser e será sempre… O projecto.

Se actualmente Projecto significa: amizade, entreajuda, solidariedade, luta, raça, atitude e união (estas três últimas são do Julinho…), no futuro significará campeão.

E perguntar-se-á: Qual projecto? O PROJECTO CAMPEÃO!!!

PS - A foto é só para eu me lembrar de como era bom quando tinha dois joelhos… Ah, é verdade, tenho que falar do meu irmão senão fica chateado… O afilhado do mister Quintino é um jogador do caraças. Sabe muito de futsal (não estou a gozar, ã?)…

quinta-feira, novembro 23, 2006

... Em tudo...

E se escrevesse um poema?

Não sobre o amor ou a noite

Sem o fado ou o luar

Um frívolo poema assim

Sem magicar…

Sobre uma coisa qualquer

Sim, uma coisa qualquer

Uma coisa qualquer tem qualquer coisa de poético…

Há poesia no frenético,

No anti-estético

No orgânico, no mecânico

No harmónico e na entropia

No colorido a preto e branco

Na tempestade e na acalmia

No palpável e no impalpável

No físico, no inexplicável

No eterno ou no pontual…

Na esterilidade inesgotável

Em qualquer coisa trivial

È possível,

A fenda na alma lateja

E é possível,

Sim… Ei-lo!

Triunfante, o poema

A emprestar brio à coisa

A qualquer coisa

A uma coisa qualquer!

Miradouro de Luz

O alinhamento descuidadamente perfeito

Dos lares que jazem na luz nacarada

Reclusa ocasional dos olhos ébrios

Do transeunte que desliza satisfeito;


O brilho adivinhado de um rio,

Um caudal de preces e promessas

Rasgado pela frieza distinta do aço,

Enquanto a figura promete um abraço;


Um castelo iluminado à força

Com a luz de glórias de outrora,

Com lampiões sujos de agora

Que reclamam o trono ao astro;

O astro encoberto sem estranheza,

Saudosa a sua calorosa frieza

Aquece, ilumina e exalta

Doutrina que à noite não faz falta.

segunda-feira, novembro 20, 2006

O jogo está controlado...


O jogo está controlado, sente-se uma estranha impressão de segurança, como se fosse impossível a vitória escapar, apesar da ténue vantagem no marcador. A equipa contrária, por sua vez, sente que há pouco a fazer, não se resigna claro, mas no fundo está pouco confiante na recuperação… Percebe-se isto não sei explicar como… Sabemos que seria injusta uma inversão do resultado, se bem que a justiça aqui pouco determina, não é? A sorte sim…Sorte? O que é a sorte? Não, não vamos escrever um livro de filosofia, pois não?! Voltemos ao que interessa, se é que interessa…

Recupera-se a bola num golpe de antecipação, com que por premunição… A bola é nossa, é minha, particularizando… Quando a bola é nossa/minha, sente-se um certo poder, uma sensação de que possuímos algo sagrado. O Santo Graal, um septo maravilhoso que permite mudar o mundo, uma lamparina mágica pronta a esfregar, ou neste caso, a chutar. Talvez por nos fazer sentir assim a procuremos tanto e lutemos tanto por ela.

Um jogo de futebol é no fundo o recriar de uma batalha medieval. É uma manifestação da necessidade de competir indissociável da condição de ser humano. Apesar da sociedade nos ter ensinado a recalcar tal instinto, ele manifesta-se diariamente. Sim, podemos dizer que a vitória não é importante, que só queremos praticar exercício e tal… Mas aquele nó no estômago, aquela má disposição angustiante que se sente quando consumada a derrota, o fracasso, o sermos vencidos, ultrapassados, inferiorizados é difícil materializar em palavras. Nem que se sinta só por alguns minutos, ou mesmo segundos, sente-se durante o tempo em que a nossa consciência diz ao nosso instinto: “ Calma, foi só um jogo de futebol.”

Continuando, a bola é minha… Inicio a condução em direcção ao meio campo contrário. No percurso vou tocando com delicadeza na esfera mágica, como quem lhe pede encarecidamente para seguir ali, junto ao meu pé direito até ao destino marcado. Imprimo um ritmo desvairado, como quase em todo o jogo, em espasmos musculares intensos acelero ao máximo…Embriagado pela autoridade que encerra a efémera posse da bola sigo faminto, como uma leoa que caça para alimentar uma ninhada, persigo não a gazela, mas o golo… Esse ultrapassar de uma linha, de uma barreira invisível, que separa a felicidade da desilusão… Que decide o que pode ser um momento de êxtase incomparável, de um instante de decepção…

Sou simultaneamente o predador e a presa… Vou no encalço de algo, mas por sua vez estou exposto, estou vulnerável, tenho o mundo a observar-me, atento a cada gota de suor que me sai dos poros… Os meus oponentes espumam de raiva farejando-me o rasto, afinal, possuo o que eles reclamam seu… Sou um ladrão, um salteador que lhes usurpa o tesouro no seu próprio território.

Vou confiante, mas desconfiado, o meu cérebro vai pesando as inúmeras hipóteses que tenho… Vai tentar maximizar o êxito da operação, a operação de decidir… Tão complexa, que só mesmo milhões de neurónios electricamente excitados à velocidade da luz o conseguiriam em tão curto espaço de tempo… As imagens vão surgindo com que a anteverem o resultado de cada jogada possível… “Sigo até à área, liberto no parceiro que se desmarca à esquerda, finto este gajo que aqui vem atrás de mim, remato já, não, agora, espera, passa antes, isso, simula o remate e passa de forma dissimulada…”

Simulo o remate e passo de forma dissimulada ao parceiro que vinha em desmarcação ao meu lado… Somos uma matilha a trabalhar em conjunto… Conheço-o bem, sei o que é capaz de fazer, já caçámos juntos antes…

Segue-se a tentativa de fotografar o instante que me fez sentir pequenino, que me voltou a fazer sentir uma folha, não ao sabor do vento, mas das circunstâncias, do acaso? Por outro lado, um momento que me fez sentir ao mesmo tempo orgânico e mecânico. Orgânico pois senti de facto, a matéria de que sou feito, o aglomerado de tecidos celulares que me fazem… Senti-os a ceder, a romper… Não aguentaram a pressão instantânea imposta naquele movimento em associação ao choque com um rival acidental… Mecânico, porque ouvi um ruído, ou melhor, senti uma vibração a ser conduzida internamente pelo meu corpo, com origem naquele rasgar de uma correia de distribuição, de um tirante que é um ligamento: “Um ligamento é um feixe de tecido fibroso, mais ou menos comprido, largo e robusto, de forma aplanada ou arredondada, que une entre si duas cabeças ósseas de uma articulação.” (Wikipédia)

O tempo parou, estou deitado num chão de madeira polido, oiço-me a gritar, não tanto por uma dor aguda que me percorria a perna, mas mais pela sensação estranha e nova que tinha experimentado… Por ter tomado consciência quase de imediato, de que algo estava errado no meu equilíbrio enquanto organismo vivo… Estava aterrorizado com a possibilidade, que para mim era uma certeza, de me ter lesionado gravemente. E gritei como nunca, o pavilhão, esse coliseu que antes pulsava de emoção, quase gelou, só ouvia os meus gritos, qual ave a quem uma cobra rouba os ovos, aflito.

Depois veio a racionalidade, com ela também uma ingénua e quase patética esperança de que não fosse nada de grave. Logo depois a confirmação do pior: estava de facto incapacitado até de andar, ainda mais de jogar, combater…

Abandonei a arena e não sei quando vou regressar…

Inveja Prima


Confesso! Ao mesmo tempo que me dissolvo numa leitura ou me envolvo numa música, sinto inveja... É sintomático, se sentir uma ponta de inveja do criador de uma obra-prima é porque esta me toca de alguma maneira. De uma maneira especial.

Não sei se acontece a toda a gente, mas eu invejo aqueles que, através da arte, têm a capacidade de me fazer devanear, entrar em mundos imaginários, perder-me em tentativas de interpretação dos espectros que inundam a minha mente em catadupa.

Admito que penso: “Como é que alguém conseguiu produzir isto?! Eu nunca o conseguiria…” É aqui que reside a invídia que sinto nestas ocasiões, na minha incapacidade de gerar algo tão maravilhoso. Se me sinto grato ao inventor de tal instrumento de prazer, por outro lado sinto-me esmagado pela sua magnificência. É um misto de realizações mentais, das quais, na melhor das hipóteses, a resignação é a definitiva. É uma resignação de conotação positiva por assim dizer, pois é um admitir que estou perante algo extraordinariamente bom. Qualquer coisa que pensava ser impossível realiza-se ali, em mim… Nota, ou é mesmo algo supremo, ou pode também acontecer esta impressão ser efémera. Dar-se este fenómeno devido a alguma fragilidade momentânea induzida por algo exterior, ou por algum estado de espírito mais susceptível…

Não estou a referir-me a nada lancinante, que me incomoda de alguma forma. Não… É até um exercício que pratico de forma cada vez mais descontraída, com o passar dos tempos e com a percepção cada vez mais nítida da mortalidade que me encerra. De forma descontraída porém criteriosa. Nem sei se é criteriosa, porque não há um critério pré-estabelecido, não é?! Na apreciação da arte nunca podemos esperar que uma obra preencha algum requisito à partida, acho eu. Ela acontece-nos e pronto!

É espantosa a infinidade de formas de percepção que uma só entidade pode abranger, espantosa a infinidade de factores de que pode depender esta percepção. E multiplicar infinito pelas entidades dispostas a expor-se a esse estímulo. Que loucura!