quarta-feira, junho 20, 2007

Não, afinal quero ser jogador de futebol.




Decididamente devia ter sido jogador da bola. Porque é que não fui bafejado por um talento fenomenal e descoberto por um olheiro de um clube grande quando esbanjava magia nos improvisados campos do Largo da Feira? Dias inteiros ao sol e à chuva, na lama ou no pó, por entre calhaus e estendedouros de roupa, com bolas mais ou menos boas, normalmente más. Com amigos com idades compreendidas entre os 5 e os 12 anos, gordos, magros, com fome, asseados e menos limpos, ciganos e de outras etnias, para quê???

Mais tarde no campo do Matuzarense, eu de barquinho ao peito, electricista de coração, chegava na Casal de 4 e treinava no pó ou na lama, com amigos da mesma idade e alguns com habilidade para a coisa… Jogos no fim de semana, flatulências nauseabundas nas carrinhas e passear gloriosamente pelo distrito. E nem aí fui descoberto! Porque é que não abri o livro, como se diz na gíria, num jogo em que havia alguém importante a ver? Chamavam-me e diziam: “Vens para tal sítio assim assim, pagamos-te um balúrdio e tu só tens que jogar à bola todos os dias…”

Jogar à bola todos os dias e ter uma conta bancária volumosa… Que mais se pode querer?

Quando era pequeno e assistia a jogos do Benfica e quando corriam mal, uma das formas que tinha de me confortar era pensar para mim: “Não há problema, quando eu for grande, vou jogar para lá e ganhamos sempre…” Era com a maior das naturalidades que acreditava nisto. Porém cedo o sonho se foi desvanecendo e a percepção das minhas qualidades futebolísticas limitadas ajudou. Ok, não há problema, sou bom na escola, hei-de arranjar aí um curso que me pareça bom e ter uma profissão... Bom, agora que tenho o curso e a profissão, jogo à bola de vez em quando e não tenho uma conta bancária volumosa. Pois é…

Um dia destes estava num bar aqui em Vilamoura e vejo chegar um carro fenomenal: um Maserati não sei quantos com matrícula italiana… Quem é que salta lá de dentro enfiado numas calças coiso e tal, numa camisa xpto e com um relógio reluzente, portanto caro? O bronzeado Rui Costa, esse mago da bola, esse poeta dos relvados, para não lhe chamar maestro que isso toda a gente chama.

Ora eu, que não tive a fortuna de ser jogador da bola ali estava, a beber o meu cafezito, depois de um dia de trabalho num contentor de uma obra, a olhar preocupado para o galgar dos minutos, subtraindo mentalmente cada um que passava ao número de horas que me restava de sono. E o Rui Costa feliz, de férias, sendo que as férias dele, basicamente, são não jogar à bola por um período.

Foi depois disto e de ter cumprimentado o simpático e acessível artista que pensei: “Não, afinal quero ser jogador da bola… Ah, não, já não dá… Ok, amanhã às nove na obra!”