sexta-feira, novembro 22, 2013

Rita

Cheiras bem, Rita
Beijo-te, fecho os olhos e inspiro
Como se te pudesse absorver
Olhas-me como se dissesses,
Não fujo, estou aqui
Como se percebesses a ânsia
De te ter
E depois sorris
Por nada, ou talvez por tudo
Sinto-me eu pequenino então
Desarmado, despido, à mercê
De ti

quarta-feira, abril 10, 2013

Tarde estragada


É tempo de ver chover
Entrelaça-se o som com o crepitar,
o piano melancólico
que chega, sem avisar

É um anoitecer de almas
Turva-se a luz com o findar,
o malte derretido
que flui, sem evaporar

É um frio de mármore
Fica-se o corpo com o tremor,
a febre abrupta
que vai, sem ardor

É um anúncio de fim
Relaxa-se o espírito com o render,
a dormência apetecida
que fica, sem querer

sábado, março 09, 2013

A dó de não poder

A dó de não poder
Abraçar o mundo e ter
De uma só vez o conhecer
Todo
E citar de cor
Os poetas do amor
Passageiros da dor
Todos
E saber enunciar
Teorias sem hesitar
Teoremas de encantar
Tudo
Conhecer os segredos
Dos músicos os medos
 E as odes dos ledos
 Todas
E então?
A sede secaria
A busca finaria
E de mim o que seria?

sexta-feira, agosto 17, 2012

Ensaios

“Não sei, tu é que tens de decidir.” Respondo-lhe eu perscrutando-lhe o olhar, tentando ver nele a resposta que queria que lhe desse. “Mas não tens ideia nenhuma?” Pergunto-lhe vagamente, para lhe arrancar mais umas pistas. Mas não chegam, apenas o olhar absorto, perdido em indecisões e ponderações, exercícios de equilibrismo para os quais a sua mente está longe de estar preparada. Pela inexperiência, pela imaturidade, pela ingenuidade dos dezasseis anos de vida, que agora me parecem tão fugazes como este café que engulo de uma vez. “Lembro-me de uma vez ter escrito sobre isso, debatia-me eu com indecisões, no tempo em que tu não eras nascida, estava perante o que eu pensava ser uma grande encruzilhada. Afinal era só mais uma escolha que tinha de fazer. Sabes, grandes ou pequenas, todas as decisões te vão influenciar. Às vezes, até o mais pequeno detalhe nos muda completa e irremediavelmente, o mais pequeno fôlego pode ser determinante. Sei que são chavões, filosofia barata dita ao desbarato, mas a escolha de um caminho não obedece a regras definidas à partida, há muito mais de intuitivo nisso do que matemático, digo eu agora. A procura interior tem de ser tua, a introspecção, a luta que travares agora revelará a tua escolha tanto melhor, quanto maior ela for, a luta. Enfim, sei que não te estou a ajudar nada, mas conheço-te desde que nasceste. Mesmo. Vi-te a ver o mundo pela primeira vez, a respirar pela primeira vez e sabes?! Os teus olhos já vinham abertos e a absorver tudo, não eras uma bebé normal com os olhos inchados e vagos. Não, encontro-te agora mais perdida, do quando te olhei pela primeira vez nos olhos, enormes, sem cor definida, mas a observarem-me com uma força inexplicável, com um poder sobre mim, arrebatador. Desde então que achei que estarias fadada a uma vida singular, cheia.”
Apreensiva, continuavas de olhos vidrados no rio, a seguir os carros que seguiam vagarosamente na ponte, o vento puxava-te os cabelos para o rosto e abanavas a cabeça para que saíssem. A pele do rosto branquinha, parecia porcelana a reflectir um raio de sol que passava por entre as folhas dos choupos e te iluminava só a ti. Num flash, apercebi-me da linda mulher em que te tornaste e quedei-me, outra vez, pedrado de orgulho. Interrompi novamente o silêncio, quase emocionado com o cenário que absorvia:
“Achei sempre que podias vir a ser aquilo que nunca fui, mas que pensava que ia ser: brilhante! Tu ainda minúscula, tão pequenina e magrinha, os dedos longos, os olhos grandes, as pestanas maiores que tu. E eu a imaginar-te no futuro, sempre bonita e saudável, claro, com o mundo na mão. A girar à tua volta, a lua.
Às vezes imaginava-te genial, muito inteligente, mas depois só te queria muito feliz. Outras vezes imaginava-te com um talento qualquer especial, como aqueles miúdos que aparecem na última notícia do telejornal porque com três anos já sabem tocar piano como os melhores intérpretes do mundo. E eu sempre muito orgulhoso. Mas depois só queria que fosses normal. Mas um normal diferente do normal que eu sou. Um normal absorvente, atento, à descoberta, sem pressa, desprendido, livre, dado. E agora aí estás tu, de olhar no infinito, sem escutar nada do que para aqui estou a dizer, com dúvidas face a um futuro, a uma ocupação, a uma vocação que não sabes se existe, se é, se será. Quem me dera ajudar-te, mas está na hora de seres tu, de abrires as asas contra o vento e seres livre e brilhante.”
“Diz pai. Não te estava a ouvir.”
“Eu sei, filha, eu sei…”



segunda-feira, junho 04, 2012

Benvinda Sejas Maria


Benvinda sejas
À grande casa solar
A este tempo finisecular
Hoje é o teu dia de estreia
Olha à volta tens a casa cheia
Há estrelas e rios na plateia

Tudo isto é teu
Aquém e além do horizonte
A brisa que afaga o amieiro
E a água na fonte
Benvinda sejas, maria
Benvinda sejas, maria

Por ti as águias velam
No cimo dos montes
E a lua rege
O orfeão das marés
À noite os poetas
Decifram os lunários
Para ver se conseguem
Descobrir quem és

Tudo isto é teu
A terra é tua serventia
Mas vais ter de lutar
Por ela e por ti em cada dia
Benvinda sejas, Maria
Benvinda sejas, Maria




Rui Veloso, Bernardo Sassetti

sexta-feira, junho 01, 2012

Maria,

Vou continuar a escrever-te como se lesses, já. Agora que és uma realidade de três quilogramas, que te tenho nas palmas das mãos, que te aperto contra o peito, te cheiro com força, te beijo levemente para a barba não te picar, te sussurro ao ouvido palavras tontas, te seguro de mil maneiras diferentes quando choras, ou adormeço contigo aninhada nos meus braços. Agora, que te beijo outra vez quando saio de manhã, que subo as escadas mais depressa quando chego à tarde, na ânsia de te ver, pegar, cheirar, sentir. Agora, já não há nada a fazer, estou irremediavelmente apaixonado por ti, até ao mais ínfima grama do teu ser.