segunda-feira, novembro 15, 2010

Não abri os olhos


Entraste no quarto a invadir o silêncio. Conseguia perceber que te movias, sabia exactamente onde estavas. Não abri os olhos. A minha respiração a mesma, como se ainda sonhasse tranquilamente. Na face um sorriso estúpido, as bochechas espalmadas na almofada, o cabelo com jeitos incorrigíveis e o mau hálito matinal, tudo boas razões para continuar a fingir que dormia. O cheiro que invadiu o quarto ao mesmo tempo que tu, denunciava um banho tomado e que possivelmente te passeavas nua, com o cabelo molhado, enquanto escolhias a roupa interior. Sentia uma frescura no ar que deslocavas e percebia exactamente quando te encontravas no meu campo de visão. Não abri os olhos. Ainda assim continuei a fingir um sono profundo, alheio a um espectáculo que, talvez por masoquismo, me privava de assistir. Não abri os olhos.
Apesar de ainda na cama, sentia-me fresco, vigoroso, capaz de num salto me levantar e mostrar-me fisicamente capaz, forte. Teria apenas de accionar o mecanismo, o meu cérebro processar a informação e num ápice: Ops! Não abri os olhos. Continuei imóvel, espalmado sobre e entre os lençóis, imiscuído no colchão, quase fundido com ambos. Saíste.
Continuei acordado. Não abri os olhos.