sábado, março 28, 2009

Light from the inside




Já tinhas pedido para sair… Querias emprestar-te ao breu exterior, que conseguias apenas desafiar pela estreita fresta por baixo dela. Excitava-te a possibilidade de te poderes espalhar pela noite quente que adivinhavas lá fora. Imaginavas poder vencê-la também, já que o interior inundava-lo facilmente, conquistando-o sem esforço. Ela sabia que te esperava o infinito, mas apreciava a tua ambição. A sua experiência dizia-lhe que a tua pretensão era inatingível, mas interessava-se pela tua altivez irreflectida e estava tentada a deixar-te fracassar para seu gáudio. Tu insististe uma última vez e ela não pôde deixar de aceder ao teu sôfrego pedido. Porém, preparou-te uma surpresa, uma pequena partida para te humilhar e ocupar depois a posição de mestre, ensinando-te a tua pequenez. Abriu-se, mas deixou ficar o artefacto que a ajuda a deixar de fora pequenos visitantes indesejados. Tu, à tua velocidade que é a maior de todas, não hesitaste e precipitaste-te por entre as fitas bamboleantes… Despenhaste-te na escuridão e estilhaçaste-te em estrias no chão. Tu querias que ela se abrisse ainda mais, mas ela já te receava porque não te esperava tão esguia, tão fluida, tão escorregadia… E observava-te admirada, enquanto seguias paralela às linhas de sombra, pelas quais o anti-insecto, seu amigo, se auto-responsabilizava reclamando para si, embora discretamente, a autoria da textura que tu desenhavas sem querer. Percebias imediatamente que a tua ambição era infundamentada, mas o maravilhamento que experienciavas impedia-te de te sentires desiludida. O oculto, o misterioso, a noite que era mesmo quente… Agradecias-lhe e ela sorria também feliz, percebendo que afinal, apesar do atrevimento, merecias esta liberdade, pelo menos por uns momentos… No fundo, também ela apreciava mostrar-se à noite e tu permitias-lhe essa exposição. Sentia-se leviana por se expor, mas a inquietude que se apoderara dela, deixava-a excitada e permanecia assim, entreaberta, permitindo-te a viagem.
E a noite, daltónica, aguardava este momento… O instante em que ela se abriu para tu passares, foi o mesmo em que a noite assassinou a curiosidade que a matava e espreitou lá para dentro. Sobre o que viu não vai rezar esta história, mas tu sabes o que lhe mostraste enquanto te distraías a explorá-la também.
E foi neste acordo harmonioso, num silêncio feito de grilos e rãs, de corujas e uivos distantes, que se terá ouvido o clic que roubou a alma ao momento eternizando-o, podendo agora eu, abusador, pintá-lo nestas linhas.



Fotografia de Ricardo Cruz.

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