sexta-feira, janeiro 11, 2008

A certa altura o concreto

Era uma vez eu

Ocupado sem afazer

Com a missão de sonhar

Aprender, criar

Descobria, inventava

E já havia o tempo

Mas havia tempo

Agora continua a haver o tempo

E já não há tempo

A certa altura: concreto!

Máquina, recurso, objecto,

E cada vez menos tempo

Não há mais tempo

Senão para o concreto.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Quero a noite?

O bafo frio do dragão na escuridão

A silhueta negra da azinheira seca

Num índigo alvorecer húmido

A energia que passa entubada

E o protelado orgasmo que surge

Agora, inesperado, sujo talvez.

A energia, agora concentrada

Já amarela, clara, quase iluminada

Ela que ilumina, agora encandeada

O dos deuses néctar, derramado

No relevo, ingénuo e incauto

Pronto a ser absorvido, devorado

Também o bafo do dragão agora espalhado,

Agora aquecido e iluminado

Estáticas imagens que se revelam

Na velocidade do macadame negro

Agora iluminado, espalhado e esvanecem-se

E a seca azinheira, mais seca agora

E a entubada energia e o dia!

Já é dia, é dia!

Quero a noite?

terça-feira, novembro 06, 2007

De volta à arena

“Então este ano? Jogas?”

A pergunta era repetida por várias pessoas, a resposta eu sabia-a desde o início… Ainda assim ia tendo dúvidas e tentando lutar contra a vontade que me invadia e era maior do que eu.

Sabia que não devia, era mais fácil desistir, ia matando o vício com uns joguitos com amigos aqui e ali, houve quem me aconselhasse nesse sentido (sei que era para meu bem). Mas tinha voltar, tinha de ser…

As razões não são difíceis de adivinhar: primeiro pelos amigos, pela equipa, depois pelo desporto, pela paixão, por não puder ver uma bola a saltitar sem ter vontade de correr atrás dela, por último pela competição, o bichinho da luta, o desafio, ganhar, perder…

E assim, jogo, vou jogando como posso. Com um fantasma que me impede de disputar os lances com antes, que me trava naquele instante em que ia mesmo ganhar a bola, em que ia rematar com toda a força e em desequilíbrio, em que me ia esticar para a bola não sair de campo, etc.. Mas é tão bom estar de volta, fazer um bom passe, marcar, perder a bola, recuperar, transpirar, correr, cair, fazer falta, sofrer falta, festejar, transpirar, correr mais, gritar, sofrer, marcar, transpirar, um passe, receber, driblar, perder, ganhar, transpirar, correr ainda mais… Vale a pena, tudo isto pesa mais do que o receio, a sensação de nudez que às vezes tenho quando calço os ténis e começo a correr, a impressão de fragilidade que ainda me assiste e me constrange em certos momentos. Estou de volta à arena, não sei por quanto tempo, mas estou de volta e é o que interessa. É bom. “It’s good to be back”, já dizia o outro…

quarta-feira, julho 18, 2007

Sem se ver



Arde em mim…

É uma ordem!

Quero esse fogo a consumir-me,

como a uma vela que se derrete perdendo a forma

E sem forma ser o teu tapete pegajoso,

que pisarás com desprezo,

Mas onde com volúpia

e ânsia descontrolada,

te esfregarás feliz

E derretes-te também!

Juntos seremos uma massa só, viscosa.

Fluiremos por aí…

Tomaremos as mais variadas formas

E no abstracto que formos,

teremos sempre o concreto de sentirmos amor

Se de concreto alguma coisa houver nisso

que é o amor, que não há.

quarta-feira, junho 20, 2007

Não, afinal quero ser jogador de futebol.




Decididamente devia ter sido jogador da bola. Porque é que não fui bafejado por um talento fenomenal e descoberto por um olheiro de um clube grande quando esbanjava magia nos improvisados campos do Largo da Feira? Dias inteiros ao sol e à chuva, na lama ou no pó, por entre calhaus e estendedouros de roupa, com bolas mais ou menos boas, normalmente más. Com amigos com idades compreendidas entre os 5 e os 12 anos, gordos, magros, com fome, asseados e menos limpos, ciganos e de outras etnias, para quê???

Mais tarde no campo do Matuzarense, eu de barquinho ao peito, electricista de coração, chegava na Casal de 4 e treinava no pó ou na lama, com amigos da mesma idade e alguns com habilidade para a coisa… Jogos no fim de semana, flatulências nauseabundas nas carrinhas e passear gloriosamente pelo distrito. E nem aí fui descoberto! Porque é que não abri o livro, como se diz na gíria, num jogo em que havia alguém importante a ver? Chamavam-me e diziam: “Vens para tal sítio assim assim, pagamos-te um balúrdio e tu só tens que jogar à bola todos os dias…”

Jogar à bola todos os dias e ter uma conta bancária volumosa… Que mais se pode querer?

Quando era pequeno e assistia a jogos do Benfica e quando corriam mal, uma das formas que tinha de me confortar era pensar para mim: “Não há problema, quando eu for grande, vou jogar para lá e ganhamos sempre…” Era com a maior das naturalidades que acreditava nisto. Porém cedo o sonho se foi desvanecendo e a percepção das minhas qualidades futebolísticas limitadas ajudou. Ok, não há problema, sou bom na escola, hei-de arranjar aí um curso que me pareça bom e ter uma profissão... Bom, agora que tenho o curso e a profissão, jogo à bola de vez em quando e não tenho uma conta bancária volumosa. Pois é…

Um dia destes estava num bar aqui em Vilamoura e vejo chegar um carro fenomenal: um Maserati não sei quantos com matrícula italiana… Quem é que salta lá de dentro enfiado numas calças coiso e tal, numa camisa xpto e com um relógio reluzente, portanto caro? O bronzeado Rui Costa, esse mago da bola, esse poeta dos relvados, para não lhe chamar maestro que isso toda a gente chama.

Ora eu, que não tive a fortuna de ser jogador da bola ali estava, a beber o meu cafezito, depois de um dia de trabalho num contentor de uma obra, a olhar preocupado para o galgar dos minutos, subtraindo mentalmente cada um que passava ao número de horas que me restava de sono. E o Rui Costa feliz, de férias, sendo que as férias dele, basicamente, são não jogar à bola por um período.

Foi depois disto e de ter cumprimentado o simpático e acessível artista que pensei: “Não, afinal quero ser jogador da bola… Ah, não, já não dá… Ok, amanhã às nove na obra!”

terça-feira, maio 29, 2007

Os tempos do helicóptero...


Outro dia reparei na felicidade de uma criança que, montada num daqueles divertimentos consumidores de moedas, ria à gargalhada fazendo girar o volante que segurava com toda a força. Sabem do que falo, há desde carros desportivos a póneis, de abelhas a dinossauros, aviões e helicópteros, insectos e elefantes…

Perguntei-me como era possível ser tão feliz em cima de uma máquina dessas. Não passam de uns solavancos mecânicos, ali no mesmo lugar. A máquina produz uns sons concordantes com o que ali está representado e algumas são interactivas, ou seja, a criança carrega nuns iluminados botões que emitem sons. Enfim, racionalmente parece ridículo tirar dali prazer.

Neste exercício depressa me transportei até à praia da Nazaré, há uns bons anos atrás, quando eu, o meu irmão e o meu primo nos esfolávamos por uma moeda que trocávamos por uma alucinante viagem num estúpido helicóptero. Faziamo-lo diariamente, como um ritual, já sabíamos que a seguir à sesta, no caminho para a praia, havia o helicóptero à porta do bazar onde se vendiam aquelas bugigangas que despoletam birras em putos mal-educados. A minha mãe ou a minha madrinha financiavam a coisa. O negócio era bom para todos: afinal de contas, apesar de acontecer com uma frequência diária, apenas uma moeda calava três gargantas protestantes. E ai íamos nós até às nuvens… Ou então éramos dominados pela discussão de quem controlava o joystick e não saímos do chão… O habitáculo estava dimensionado para duas crianças no máximo, mas nós conseguíamos caber os três lá dentro. Apertados, subíamos e descíamos o mais bruscamente possível e riamos muito… Depois a curta viagem que a moeda permitia acabava, mas não havia problema pois ainda havia uma tarde de praia pela frente…

Na praia jogávamos à bola, às três quedas e perguntávamos de minuto em minuto se já podíamos ir ao mar… É que a digestão de um bom almoço estava em curso e a fiscalização era rigorosa. No fantástico minuto, aliás segundo, em que a resposta era positiva, corríamos até à beira da água e das duas uma: ou o mar permitia que sem vigilância entrássemos, ou tínhamos que esperar pelo meu pai e ficávamos ali a rebolar-nos na rebentação das ondas. Enchíamos os calções com quantidades absurdas de areia… Mergulhávamos por baixo das ondas como o meu pai ensinava e tentávamos apanhá-las e surfá-las com o peito. O resultado de tanto exercício era uma fome tremenda. Aquela fome só acontecia na praia, não dá para explicar, mas era diferente. Aí, a minha mãe descascava pêras e ia distribuindo quartos por todos… Essas pêras da praia sabiam incrivelmente melhor do que quaisquer outras.

Uma vez, possuído por uma dessas fomes imensas, dei uma dentada tal numa sandes de presunto, que fiquei com um pedaço preso na garganta. Comecei a sufocar, fiquei de várias cores, até que o meu tio me pegou pelos pés e me pôs a ver o mundo ao contrário. Em pânico, meti a mão direita à boca e tirei com os dedos o enorme pedaço de presunto que me impedia de respirar. Foi um alivio, para mim e para todos… A partir dali, comecei a mastigar antes de engolir, independentemente da fome que tinha…

Á noite, passeávamos à beira mar. Já conhecia os desenhos daquela calçada de cor, tantas vezes me perdi a imaginar caminhos entre eles…

De férias não nos eram dadas ordens para ir para a cama e também não era preciso… Chegávamos exaustos ao fim do dia e dormíamos sempre muito bem, mesmo que o divã não fosse o mais confortável… Bem cedo, a minha avó acordava-nos e seguíamos os cinco: eu, o meu irmão, o meu primo, a minha avó e o meu avô. Íamos ao mercado! Cheguei a pensar que só na Nazaré é que havia mercado, pois só conhecia aquele. Comíamos a melhor massa frita do mundo e bebíamos uma meia de leite a escaldar. Passávamos pelas bancas do peixe e adorávamos ver o meu avô a regatear o preço das sardinhas, ou dos carapaus. A seguir, os legumes e a senhora a comprimir a couve fazendo-a passar na máquina à manivela, que a tornava em caldo verde. Depois, assistíamos à meticulosa tarefa que era a escolha de um melão. O meu avô e a minha avó pegavam nos melões e tomavam-lhes o peso, balançando a palma da mão. Vínhamos com os sacos para casa e já havia manobras de preparação para mais um dia de praia. Recolhiam-se as toalhas a cheirar a mar, vestiam-se os calções secos, ou ressequidos pelo sol, o chapéu era-nos enterrado na cabeça e ia-mos em romaria. Todos menos a minha avó, que ficava a fazer o almoço. A opção era dela…

Passava-se pelo quiosque… Jornais para os graúdos, banda desenhada para os miúdos. Cheguei a ler por dia um livro do patinhas, só para no outro dia me comprarem outro. O acordo era esse: “Quando leres esse, compro-te outro.”

A praia de manhã era fantástica, a areia estava fresca, havia menos gente e com sorte passava a mulher que vendia a bolacha americana. O pregão já tinha décadas, mas as bolachas eram sempre incrivelmente estaladiças e apetitosas. “Agora não que estragas o almoço…” - dizia a minha mãe. Mas contra as regras, a minha madrinha cedia e a bolacha era devorada num ápice e sem prejuízo para o almoço… A minha madrinha era fácil de convencer… Estava sempre pronta a comer um gelado e nós também.

Íamos almoçar o peixe que compráramos na praça e chegava a hora da sesta. Que chatice, não se compreendia porque é que os adultos não queriam ir para a praia às duas da tarde. Nem está assim tanto calor… Até tínhamos uma barraca alugada…

A sesta acabava e vinha o helicóptero outra vez…

A Nazaré tinha as mulheres com as sete saias. Mas o que mais impressionava não eram as sete saias, mas sim a linguagem descuidada que usavam orgulhosamente. Na Nazaré havia ainda o cheiro das pastelarias com os bolos frescos de manhã, o cinema de vez em quando, as mariscadas e a ida ao Sítio de ascensor. No Sítio, apesar de distraídos com as bugigangas à venda e com todo o movimento, quando nos aproximávamos do murete do precipício, havia uma sensação de respeito que nos dominava e com o cuidado exigido espreitávamos maravilhados. Parecia que chegávamos a outra dimensão, ver tão pequenina lá em baixo, a praia onde passávamos os dias. Tentávamos identificar a nossa barraca, mas era impossível.

Éramos felizes e éramos mais… Bons tempos, os do helicóptero….

quarta-feira, abril 25, 2007

O que eu queria mesmo era ganhar o euromilhões.






O exercício de imaginar o que seria se ganhasse o euromilhões é dos que realizo com mais frequência… E como eu, há milhares de pessoas… E quando se trocam impressões numa qualquer mesa de café e chega o assunto euromilhões? Nunca se está menos de meia hora a ouvir e debitar teorias sobre o que fazer a tanto dinheiro.

Há sempre quem diga: “Eu só queria o segundo prémio.” Sim, concordo, o segundo prémio já era bem bom, a vidinha que se leva não tinha que sofrer modificações extremas, que muitas vezes assustam só de imaginar e por sua vez havia margem para quebrar a rotina com mais frequência do que no presente. O que era excelente! Normalmente quem defende a teoria do segundo prémio dá o exemplo do infeliz que ganhou a maior lotaria de sempre nos Estados Unidos e só lhe aconteceram desgraças… Ok, continua a ser um argumento válido. Até porque um comum mortal era bem capaz de ensandecer imediatamente após a tomada de consciência de ter ganho o primeiro prémio. Para além de que, um comum mortal não tem capacidade para sequer entender a verdadeira dimensão do número em questão. Não está habituado a tantos zeros… Se fosse o Belmiro, ou um desses multimilionários, era na boa. Já se habituaram à ideia de brincar ao monopólio e eram mais uns trocos. Não mudavam de vida radicalmente, não tinham que mudar de cidade, emigrar, esconder dos amigos e até família que eram imensamente ricos. Não iam aparecer novos amigos de ocasião, até porque já os têm de certeza. Não teriam que viver o resto dos dias desconfiados das intenções de toda a gente porque já vivem… Moral da história: o euromilhões só devia sair aos que já estão habituados a tanto dinheiro? Não! Esses já não precisam de mais. Então afinal em que ficamos?

O ideal era sair a uma sociedade de amigos, de bons amigos… Isso é que era tabaco! O pessoal todo em altas farras a esturrar a guita toda… Mas isso podia não dar bom resultado, duvido que certas amizades sobrevivessem a esta conjuntura… Havia de haver logo quem se afastasse, até porque também é capaz de fartar a certa altura (ou não!) Mas era na boa, quem quisesse embarcava em cruzeiros de alto luxo, quem quisesse optar por permanecer um mês em cada cidade do mundo em hotéis de 5 estrelas também estava à vontade, podia haver quem quisesse ir ao espaço e rebentar logo com a fortuna toda ou até dá-la para obras de caridade… Fosse como fosse, um dia em cada mês sempre podíamos ir jantar a algum sítio simpático. Em Janeiro um peixinho na Austrália, em Fevereiro umas ostras no Brasil a ver o Carnaval, em Março uma picanha na Argentina, em Abril marisco à descrição no Dubai, Maio podia ser sushi no Japão, Junho em Paris, experimentava-se a nouvelle cuisine francesa (paneleirices, mas pronto quando um gajo pode…). Julho, outra cidade europeia, podia ser na Alemanha, Berlim ou outra, bebíamos umas cervejas (mini sagres, se faz favor…). Agosto, mês do imigrante, podia ser mesmo cá em Portugal, em Lisboa, num desses muito caros tipo Gambrinus ou Tavares Rico. Setembro, na Rússia por exemplo, ligava ao Abramovich para ele nos dar umas dicas. Outubro, na Europa outra vez, numa cidade daquelas que toda a gente diz que adora: Praga, Veneza, Budapeste, por aí… Comíamos qualquer coisita… Novembro, começa a estar frio por cá, podia ser num paraíso tropical qualquer, Seicheles, Maurícias ou outras que tais onde o mar é quente e azul bebé, marisco outra vez. Dezembro em Dezembro diz que Nova York é engraçado, podíamos lá ir. Jantava-se num daqueles sítios que aparecem nos filmes, caros que nem um corno… No ano seguinte variava-se um bocadito, mas a ideia era boa, não?!

Não podia haver desculpas para não ir aos jantares, não é… “Ah, a minha mulher, ah, os meus filhos, ah, reunião.” Ah, o cacete! Cada um tinha o seu jactozinho e enfiava lá a mulher e os filhos e quem tratasse deles (da mulher e dos filhos…). “Ah, tenho uma reconstituição dentária nesse dia…” Traz o dentista no jacto… “Ah, o Benfica joga a final da Liga dos Campeões em Manchester…” “Ok, então vamos a Old Traford ver o jogo, pah!... Na boa, deixa-me só ligar ao gajo que comprou o United, agora não me lembro o nome, mas são dois irmãos, não é? (…) Não, janta-se no estádio, diz que fazem lá uns joaquinzinhos daqui…”

É mesmo isto que acontece: começa-se a imaginar coisas cada vez mais estúpidas e parece que se podia estar a falar sobre como gastar o prémio para sempre… É ridículo!

Será que um gajo cheio de dinheiro até ao pescoço, continuaria a tentar multiplicar a fortuna?! Claro! A ambição não tem limites e dinheiro gera dinheiro facilmente. Era preciso um tipo esforçar-se para o abrasar todo. E por outro lado incrementar a fortuna era de caras (digo eu). Contratava-se ou comprava-se ou constituía-se uma empresa de consultadoria, só para perscrutar oportunidades de negócio em todo o mundo e depois era brincar. Perder aqui, ganhar ali. Uns gajos atentos à bolsa e tal… Imobiliária, hotelaria, industria variada… Uma boa cena era financiar um projecto para implemetar novas formas de energia (renováveis), quer no ramo automóvel, na industria etc. Pronto, lá estou eu… É que uma pessoa voa facilmente e chega-se a resoluções loucas… Não me posso pôr a pensar nisto.

Ok, só mais um bocadinho… Tinha que ser solidário! Quem me está próximo era evidentemente “amparado”. Mas para além disso, constituir uma fundação como o Luís Figo, por exemplo (diz que isso até é bom para os impostos!)… Contratava uma equipa que procurasse saber onde há mais necessidades de ajuda primária, porque matar a fome a uns quantos já não era mau.

Depois era tentar ocupar o tempo: ver os saldos das contas bancárias, estar atento ao programa de concertos mundial, marcar jogos de futebol com o pessoal em estádios que alugava, passear pelos vários pólos de negócio espalhados pelo mundo. Viajar está implícito, não é… Começava a interessar-me por arte e visitava exposições, comprava um quadrozito aqui, uma antiguidade ali. Podia fazer umas colecções tipo o Joe Berardo, enfim… Depois montava um museu, como já havia a fundação era fácil. E assim ia ocupando o tempo. Se calhar organizava, ou mandava organizar aliás, que trabalhar é que não, um festival de música como deve ser... Mas para dar lucro… Metia o Rock in Rio ou o Sudoeste num chinelo! Cá está, já ia na lua outra vez… Vou acabar com isto!

Estes parágrafos provam que é melhor não me sair o euromilhões, não é? Mas pelo sim pelo não, se calhar esta semana chego ao quiosque e digo: “Ó fachavor, é um de dois euros da máquina…”

terça-feira, abril 10, 2007

O conforto único...


Saio de casa de madrugada. Pela frente há 320 Km de macadame para vencer, uma semana de labuta para superar, intuitos e empreitadas, uma rotina solitária e uma distância já usual de quem se ama…

Apenas um conforto: o Alentejo!

O assistir a cento e vinte ao nascer do sol à minha esquerda. A luz que me ilumina o caminho e aquece o interior do carro lentamente. Que descobre os campos que vou displicentemente apreciando.

A cada viagem um novo pormenor… Uma fonte, uma represa, um monte, uma azinheira e uma poupa a passar em voo rasante ao pára-brisas…

É um encher de espírito em cada vislumbre. Até Mora, há a Barragem de Montargil, espelho ainda pouco iluminado que fumega e enche o ambiente de um misticismo sobrenatural. Há boa cortiça em sobreiros valiosos. Depois Pavia, menos densidade de árvores e mais campo verde, com represas aqui e ali, brilhantes. Vacas esquecidas entre erva por pastar e o horizonte, verde, doirado, castanho… O sol já se mostra todo, e sem vergonha reflecte-se ofuscantemente nas gotas de orvalho, que carregam com o seu peso as vadias ervas, dobrando-as.

Sobe-se para Arraiolos e antes da rotunda, a espreitadela à esquerda. Consegue ver-se lá em baixo a pousada, no meio dos campos só rompidos por sobreiros, azinheiras e água aqui e ali… No preciso semáforo das Ilhas dá para beber mais dessa paisagem, agora mais recortada e levemente sinuosa.

A chegada a Évora no avistamento do Arco que me dá as boas vindas. A cidade que primeiramente conheci. Eu ou um eu sem consciência, com saudades de um cordão umbilical e um líquido quentinho a envolver-me. A hora é de tráfego, há gente que tem mais um dia pela frente. Absortos, os transeuntes despenham-se nos passeios e no carro ao lado há quem se ria da mesma piada que eu. É o Markl na rádio… Companhia indispensável. A muralha à esquerda, património da humanidade anunciada e uma dificuldade em tirar aquele macaco do nariz, enquanto o semáforo não fica verde. Á saída, as vinhas… Divididas pelo alcatrão cinzento apenas. Os fios de arame, amparo quando maduras, parecem agora cordas de uma imensa guitarra, tocada pelo astro. Se tivesse som seria uma moda de Carlos Paredes, num dedilhado lento e embalador.

Depois é o Alentejo outra vez. E Beja, também à esquerda. Rotundas, restaurante internacional de logótipo vermelho e amarelo e o quartel à saída. Pelo meio, pessoas que passeiam junto à estrada de fato de treino e eucaliptos frondosos.

A placa anuncia S. Matias, que equivale a dizer sandes de presunto e sumol de laranja, ou leite ucal, porque para mini sagres ainda é cedo… Enfim, bucha e café para acordar! Ou aqui ou na estação de serviço de Almodôvar – menos romântico e mais caro…

O IP2, cento e trinta, cento e quarenta. A densidade de árvores é menor e a planície domina cada vez mais. Casas brancas nos cabeços pintam pontualmente o quadro dinâmico que se esboça.

Um castelo e Portel surge branca. “Bonita esta Vila, qualquer dia, quando tiver tempo entro lá para ver as vistas”, penso…

O betuminoso e a planície conduzem-me, há cruzamentos que são hipóteses, oportunidades de ali ficar, no Alentejo. E há uma pérola à direita, Albernôa. Numa encosta, casas baixas brancas descem a beijar um riacho tímido, que rasga um vale dominado por azinheiras e pedras e ervas e verde e castanho e o branco das casas, tão brancas. Têm antenas mais altas que elas, pitoresca imagem de desequilíbrio e esbelteza descabida. A beleza outra vez ali.

Castro-Verde e a seguir a auto-estrada. Cento e quarenta, cento e cinquenta. Já há pressa em chegar. Admiro os taludes cortados pela útil via e os vales cada vez mais fundos que são superados pelos viadutos quase consecutivos. É a serra e já não é Alentejo. Também é bonito, mas já há pressa e impaciência. Há afazeres à espera e com azar o telefone já vai tocando. É a realidade que me espera. O Alentejo confortou-me e agora estou entregue a mim outra vez. Venha o Algarve!

quinta-feira, abril 05, 2007

Perder

Falta,

Vazio

No quarto frio

O tremor constante

A escuridão…

Alucinações, fraqueza?

Pesadelos, delírios?

Medo!

A falta…

A palavra e o afago

Ternura…

Vazio!

No quarto frio

A luz guiava…

Escuridão!

O tremor…

E o Amor?

Vazio!

Privação antecipada

Do Amor

Ternura…

Vazio!

Ausência

Medo!

No quarto frio

Visões, devaneios?

O tremor…

A voz, a ternura

E o Amor?

Privação precoce

Do Amor…

segunda-feira, março 26, 2007

Salazar? Porquê? Como?

Fiquei chocado, indisposto até… Já tinha visto um ou dois episódios dos Grandes Portugueses. Tive a sorte, por exemplo, de ver o excelente trabalho sobre D. Afonso Henriques realizado pela Leonor Pinhão. Vi mais um ou dois excertos sobre o Infante D. Henrique, sobre o Álvaro Cunhal e não sei se vi mais algum…

Tinha ouvido dizer que Salazar e Cunhal estavam bem colocados nas sondagens e isso já me arrepiava, embora pensasse sempre que na hora H, havia de haver quem votasse num dos bons. Sim, porque entre esses dois… O ditador e o proto-ditador. O que oprimiu, segregou, amedrontou e o que lutou, é verdade, mas que tinha planos para fazer Cuba em Portugal. O que nos conservou agricultores atrasadinhos crentes em fantasmas e o que nos queria ver em filas de distribuição de ração. Enfim, entre os dois, venha o diabo e escolha. E se tiver mesmo que escolher, o diabo, que escolha o camarada que ao menos sempre ajudou a livrar-nos do outro diabo!

Ao mesmo tempo que lavava os dentes antes de ir dormir, dava por mim a ter vergonha de ser português, coisa de que habitualmente me orgulho, apesar de tudo. Depois, já na cama, tentava não dar importância à coisa. E arranjei desculpas… Desde as mais elaboradas às mais estúpidas… “Ah, quem votou no gajo foram uns quantos sangue-azul, que não se vão encarquilhar quando receberem a factura da PT e puderam fazê-lo incessantemente. Ok, então e o segundo lugar? Os operários não têm dinheiro para gastar em chamadas de valor acrescentado…” Aqui percebi que tinha roçado o abstruso, mas era reflexo do mau estar que a revelação da D. Maria Elisa me causou.

Depois confortei-me com a conclusão de que este resultado, não seria mais do que um reflexo da própria ditadura. Sim, foi por nos terem habituado a tanta repressão, a dependência dos que nos exploravam a seu belo prazer, que ainda hoje não conseguimos ser livres à vontade. A abrupta liberdade foi linda, poética, mas descambou num Portugal que hoje está sedento de liderança. E ouve-se amiúde: “Isto precisava era de outro Salazar!” Até arrepia…

Quem é o melhor português de sempre? A pergunta é difícil, muito difícil, mas se há respostas erradas, a que a maioria deu foi a mais errada de todas. Que ironia falar em democracia e maioria, quando se elege essa personagem… Primeiro, nem sei se será justo haver entre os nomeados individualidades do século XX. Será que terão a imortalidade de um D. João II, ou de um Marquês de Pombal? Não estou a ver uma estátua de Salazar ou de Cunhal ali no jardim do Campo Grande daqui a cem anos… Depois, comparar génios como o de Pessoa e Camões, visionários como o Infante e o Marquês, pacifistas como o Aristides, aventureiros como o Vasco da Gama é muito complicado… Abusador mesmo, reduzi-los a características estereotipadas, toldadas pelo mundo actual e pela maneira de entender os factos na contemporaneidade.

Há ainda uma questão que me preocupa e embaraça… O que pensarão de nós lá fora? Os portugueses escolheram o ditador que os espezinhou dezenas de anos, como o seu melhor de sempre… Coitadinhos, são masoquistas, ou a água que andam a beber tem qualquer substância psicotrópica?

Depois ainda pensei… Tanto que se escreverá nos jornais, o tanto que os blogues vão fervilhar, a rádio, a TV, todos vão ter algo a dizer sobre isto… E podem fazê-lo hoje livremente, que ironia outra vez. O próprio programa não existiria no tempo do outro.

Na mesma altura em que o CD do Zeca Afonso lidera as tabelas de vendas nacionais, houve quem elegesse Salazar o melhor português de sempre. Ironia outra vez!!! Há por certo quem tenha comprado o CD e votado no Salazar na mesma semana. Que leviandade… Só mesmo nós, temperamentais, impulsivos, enfim, latinos, para tal proeza. (Esta também podia ser uma desculpa, não era?!)

Muito mais me passou pela cabeça ontem à noite e hoje durante o dia, mas sinto que já dei relevância demais a este assunto que me entristeceu como nem eu estaria à espera…

quarta-feira, março 21, 2007

Primavera vs Poesia


O dia mundial da poesia é também o início da Primavera... Será coincidência? Ou será que quando alguém se dedicou a escolher o dia certo para a comemoração do dia Mundial da poesia, chegou à conclusão que o devia fazer coincidir com o Equinócio da Primavera. Para tal, lá terá tido as suas razões…

A Primavera é poética, significa um renascer… A vida terrestre manifesta-se como em nenhum período mais. (Aquecimentos globais à parte…) Acontece toda uma magia de transformações numa emergência de cores, cheiros (alergias também), enfim, sensibilidades que podem ser inspiradoras para muitos… Mas nem todos, aliás a maioria dos poetas gostam mais do sombrio, da noite, da frieza das desilusões e fracassos próprios. Do eu que sou um incompreendido neste mundo de absinto e outras substâncias.

Por outro lado, o dia do Equinócio da Primavera é supostamente aquele em que temos tantas horas de sol como de negrume. Há tanto de noite quanto de dia. Esta simetria terá tido alguma coisa a ver com esta escolha? Mas acontece precisamente o mesmo no Equinócio de Outono… E também, a simetria não será assim tão romântica, ou é?. Pode ser e não ser… É como tudo! Mas eu, qual violação de subjectividade, digo que não é. Eu se fosse poeta não me inspiraria no simétrico, ia mais pela desorganização, o que seria mais fácil, talvez. Poetas houve que primavam pela ordem nos seus partos artísticos. O número de sílabas métricas, o tipo de rima sempre com o mesmo esquema, etc., toda uma arrumação admirável. Camões nos Lusíadas é o exemplo final disto…

Como a Primavera, a poesia também pode ser um estádio, um período? Não me parece, a poesia é eterna e não cíclica, como a parceira com quem partilha o 21 de Março. A Primavera influencia e desencadeia sentimentos tal como a poesia. Mas a Primavera não deixa escolha, aparece e pronto. Enquanto a poesia só toca a quem se quer deixar tocar…

Enfim, é um exercício inglório este! Se calhar foi mesmo só coincidência, Primavera e poesia combinam de alguma forma, é certo. Mas poesia pode combinar com qualquer coisa e Primavera também. Encontrar paralelos e intersecções entre elas é uma questão de brincar ao jogo da argumentação, como levianamente tentei fazer...

Concluindo, gosto da Primavera, gosto de poesia e tenho de ir dormir porque amanhã, um dia em que alguma coisa se há-de comemorar por certo, é dia de trabalho.

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

A Fonte que era da Vila...


“Fonte da Vila”. Ao ouvir esta frase qualquer pontessorense constrói imediatamente na sua mente, a imagem de um dos símbolos da nossa singular e simpática terra. Mas qual é exactamente a representação que imaginamos? Eu ainda idealizo uma bonita fonte em alvenaria pintada de branco, com duas bicas a verterem água e o brasão de D. João VI em relevo e a cores vivas. Vejo ainda a recortada sombra do velho freixo traçada na placa que identifica a rua: “Rua da Fonte”.

Datada do século XVIII, foi D. João V que a conselho do Dr. Francisco da Fonseca Henriques, decidiu aproveitar a nascente que do morro brotava água desorganizadamente e condicioná-la à geometria cilíndrica de uma bica. Acreditava o médico do reino que a sua água tinha propriedades terapêuticas, como escreveu no seu livro “Aquilegio Medicinal” de 1726: “Na vila de Ponte de Soro há uma fonte que tem conhecida virtude para achaques de pedra e areias, como se tem experimentado muytas vezes”

Assim, o fluido que antes apenas engrossava parcamente o caudal do Sor, ganhava novas responsabilidades e passava a inundar abundantemente as sequiosas gargantas das gentes da terra e viajantes ocasionais.

Dizia-se que a sua água enfeitiçava quem a bebia, que quem a provava não mais sairia de Ponte de Sor, ficando encantado pela terra para sempre.

Era também o sítio certo para conquistar moçoilas, como nos conta o poeta pontessorense Ismael Franco:

“Quem quiser uma donzela,

Vá lá à Fonte da Vila!

É onde à noite as raparigas,

Em tempos que já lá vão,

(Pelas noites de Verão)

Cantando lindas cantigas,

Iam francas, desprendidas,

Em cata dum coração.”

É vizinha da ponte, a que dá o nome à terra, essa ainda com mais história para contar… Travavam diariamente agradáveis diálogos sobre quem descia as escadinhas que as separam. Um outro vizinho ilustre acompanhava na cavaqueira… Era o enorme freixo que ali se estabelecia, altivo e orgulhoso com a sua abundante copa a fazer sombra às duas comadres de “calhandrice”… Foram centenas de anos a ver passar gentes: desde reis à plebe das mãos calejadas, servindo a todos sem olhar a títulos ou condição.

O freixo, esse morreu gloriosamente, sabendo que a ponte passaria a ter largura suficiente para as necessidades das pessoas… Pessoas que da sua sombra já tinham gozado o suficiente… Nada a dizer, foi um mártir, serviu-nos até ao fim e morreu por nós, como o Outro…

A fonte não morreu ainda, mas deve estar em coma profundo, coitada… Foi violentamente violentada, passe a aliteração a emprestar poesia à prosa. Já nem vontade lhe resta para trocar impressões com a renovada ponte, que com um tabuleiro assim, se tornou moderna e muito mais prestável.

Talvez por não poderem beber a sua inquinada água se tenham esquecido que existe. Já deve haver quem, em vez da imagem idílica, de local de eleição para namoricos e contemplações bucólicas, imagine um cenário mais sombrio, em que o sol não reflecte a água não potável que já nem jorra das duas enferrujadas bicas. Em que já não se namora a ouvir o constante salpicar do vital líquido na grelha decrépita, gozando a sombra frondosa do idoso freixo… Se calhar, até imagina horrendas inscrições a tinta de spray a conspurcar a cândida fachada. Se calhar já nem idealiza o honroso brasão, mas sim um borrão de cores esbatidas mesmo no centro, a confundir-se tristemente com as manifestações artísticas de um qualquer símio, que não acredito ser sapiens, ou sequer homo.

Não só está mal esteticamente, o que salta à vista imediatamente, como também padece de lesões estruturais provocadas pela percolação da água, que antes encontrava nas bicas um ponto de fuga e que agora, com estas entupidas, procura outros caminhos, nomeadamente as fundações da estrutura. E a crispante relação que água dura e pedra mole têm é por todos conhecida… O estado gravíssimo em que se encontra é recuperável, penso eu… Mas não por muito mais tempo, pois a água, que motivou a sua construção, pode ironicamente vir a ser o agente responsável pela sua destruição. A continuar assim, as deformações vão aumentar e a fonte corre o risco de ficar descalça e com as entranhas expostas.

Um famoso urbanista, David Linch, desenvolveu uma teoria sobre a cidade e o modo como a imagem de uma cidade é construída na mente de um seu visitante ou habitante. Defendia que havia cinco elementos que constituíam uma cidade: as vias, os cruzamentos, os bairros, os limites e os pontos marcantes. Claro que é abusivo tentar adequar essa teoria à nossa terrinha, mas é tudo uma questão de escalas… Como em Nova Iorque se identificam esses elementos, também em Lisboa ou em Ponte de Sor eles podem ser distinguidos. E se falarmos de pontos marcantes, a zona ribeirinha, de uma maneira geral: o rio, os choupos, a relva, as piscinas, a ponte e a fonte… A Fonte da Vila, encerra um conjunto que se pode classificar como ponto de referência ou marcante, sendo um espaço de lazer muito procurado entre locais e forasteiros.

Os símbolos vão mudando e evoluindo com o progresso da cidade, é certo. Mas os que já o são podem conviver com os que pretendem ser, ou não? Lá porque temos palmeiras coloridamente iluminadas e rotundas em homenagem ao canalizador, também podemos ter a velha fonte cuidada, não podemos? Ou os lagos e repuxos novos já deitam água suficiente para se namorar ao som do seu borrifar?

Tudo isto para relembrar a importância deste emblema da nossa terra e tentar assim sensibilizar quem de direito… Para que se intervenha a curto espaço de tempo e eficazmente, para que tenhamos de volta a fonte viva e aprazível. Mesmo que a sua água não se beba, a dos repuxos novos também não é para beber, portanto…

Acho que não exagero quando lhe enalteço a importância e digo que todos os pontessorenses têm por ela grande simpatia e estima… Como tal, espero que recupere depressa e acorde do coma, faça a fisioterapia adequada e volte mexericar com a ponte sobre a vida deste e daquele que por ali vai passando.



segunda-feira, janeiro 29, 2007

Eu tenho pouco jeito para coiso e tal.

É verdade, tenho algum jeito para algumas coisas, mas para coiso e tal nem por isso.

Eu sei que há habilidades com as quais já se nasce e outras para as quais é preciso sobretudo treino. Não sei se para fazer bem coiso e tal é preciso treinar, ou se já é uma característica inata da pessoa. Posso dizer que não nasci com propensão para coiso e tal e treinar também ainda não treinei muito. Se houvesse mais oportunidades, eu treinava incessantemente e talvez adquirisse a aptidão mínima para coisitalar. Inventei aqui um verbo, estou feliz… Olha, inventar é comigo. Para isso tenho eu jeito. Coisitalar também tem uma vertente imaginativa, não é? Se calhar até nem sou assim tão mau… Não, sou mau sou…

Basta dizer que, quando por obrigação, tenho que coiso e tal, fico nervoso. A minha voz fica notoriamente trémula e à minha cara sobe uma ruborescência visível da Lua a olho nu. A face aquece tanto que parece que vai explodir, isto porque os vasos sanguíneos, qual reacção incontrolável, se enchem de sangue desmesuradamente. Fico sem saber o que fazer às mãos… Onde as ponho? No bolso? Qual bolso, não tenho bolsos à mão… Qual mão? A mão de semear é que costuma dar jeito. Pelo menos quando qualquer coisa está à mão de semear tudo é mais fácil… O corpo mexe-se de forma robótica, como se estivesse a participar num filme de animação antigo, com poucas frames por segundo, para aí uma ou duas… Enfim, escuso de estar para aqui a descrever uma manifestação nervosa amplificada, toda a gente já sentiu este tipo de sensações. A mim acontece-me a coisitalar… Enfim, é triste.

Tenho esperança de que com a prática eu consiga fazer coiso e tal sem hesitações. Como quem bebe um copo de água, como quem muda de canal ou rega as plantas. Como quem escreve um texto estúpido sobre uma inaptidão sua…

Quando eu conseguir isso, cositalar à grande sem ficar estupidamente desconfortável, vou enfrentar a vida de outra maneira. Com mais segurança, mais confiança… Pode é acontecer eu não ter que coisitalar. Deixar de haver necessidade disso. Melhor seria…Talvez fosse melhor, não sei… É que coiso e tal é importante neste mundo em que vivemos. Nem que seja como defesa, como escudo social.

É preciso dizer o que é coiso e tal ou já atingiram?! De certeza que sim… Ok, obrigado pela atenção e desculpem qualquer coisa… E tal…

quinta-feira, dezembro 28, 2006

"Nunca mais vais ser o mesmo..."




Claro que não! Desde que acordei hoje, pus um dos pés no chão primeiro do que o outro e por causa disso eu já não era o mesmo, não é?

Qualquer inspiração de azoto e outros gases, qualquer batimento cardíaco, qualquer piscar de olhos me modificam para sempre… A verdade é esta. Claro que há precipitações de acontecimentos que podem levar a modificações mais bruscas e a transformarem-me a vários níveis de forma célere. Por exemplo, se assisto a um Benfica – Sporting na televisão, as minhas unhas são uma a uma modificadas súbita e defeituosamente. Depois é só fazermos um exercício de relatividade simples, ou seja, o importante é a escala a que tudo se processa e a variação que isso implica. Mas uma coisa é certa: é irreversível! E ainda bem, é bom não haver undo.

Claro que nunca mais vou ser o mesmo… Houve um gajo que me meteu uns aparelhos pelo joelho adentro e me transformou abruptamente… Gostava de voltar a ser o mesmo? Gostava! Mas estou modificado para sempre, não é óbvio?

Não, não me refiro só ao pedaço de menisco que foi para dentro do balde metálico da sala de operações, nem ao ligamento que foi encurtado. Reporto-me à prova a que estou a ser sujeito. O responder, dizendo: “Então não hei-de ser?!” E saber que não…

"Ah, isto não foi nada, daqui a pouco estou fino…" Mas nunca tão fino quanto antes… Não é nada, mas é qualquer coisa… Mas hei-de ficar quase bom, agora esse quase… Enfim, que devaneio, que insegurança...

Queria voltar atrás no tempo, impedir que aquele lance que revejo inúmeras vezes na minha mente acontecesse… Mas por outro lado, aprendo com isto, vivo uma nova experiência, um obstáculo que quero transpor com atitude, um exame que quero passar com distinção.

Concluindo, não me digam outra vez que nunca mais vou ser o mesmo, ok?! Óh fachavor….Porra!

segunda-feira, novembro 27, 2006

"Há aí um projecto..."


“Então este ano, para onde vais espalhar o teu perfume?”

Respondi que não sabia ainda, que o meu futuro era incerto e que provavelmente não iria jogar. Ao que ele responde:”É que há aí um projecto…” (Estas reticências não são meramente decorativas, a entoação dada às palavras, a maneira de articular a frase, acompanhada de uma expressão facial de mistério e ao mesmo tempo de revelação eram implícitas.)

Assim nasceu, ou melhor, foi reinventado o termo “projecto”. Fossem estas palavras pronunciadas por alguém menos popular, de menor reconhecimento, digamos assim, e teria sido mais uma conversa banal… Mas não, estávamos perante Rui Maside, personagem querida do “pessoal todo”, carismático director desportivo do Eléctrico Futebol Clube, antiga glória do V. Setúbal e do Sporting. Conhecido pela maneira descontraída e sobretudo irónica com que brinda os seus interlocutores, seja qual for o teor da conversa. Ainda assim, seria mais uma conversa com o mister enquanto ele simulava desferir murros no ombro e essas coisas que faz sempre… Porém, quem é que se encontrava presente para além de mim e teve a suprema felicidade de ver baptizado o projecto? Nem mais nem menos que Bruno Castro, ou seja, Dona e Jorge Fernandes, ou seja… Pessoa. Qual Pessoa? O Pessoa… Ah, o Pessoa!

Será preciso dizer que mal estas palavras foram ouvidas por estes jovens, eles viram a luz? Perceberam de imediato que tinham presenciado o nascimento de uma nova era: a era do Projecto

Trocaram-se mais umas impressões, mas nem me lembro o que se disse, nem é importante… Na primeira oportunidade, comentamos a sorte que tivemos de assistir à génese, à descoberta do projecto… Estávamos felizes, víamos o mundo de outra forma a partir daquele momento… Nesse dia, assistimos ao pôr-do-sol. O âmbar que pintava o céu em pinceladas descuidadas, o chilrear melódico dos pássaros e o sussurrar suave do regato, tudo era lindo! Nas nossas mentes ecoava repetidas vezes a palavra “projecto”, estávamos em paz interior… Ok, fui longe demais, vou parar com estas paneleirices… O que aconteceu de facto é que estes dois compinchas e eu próprio (que nem somos nada gozões), não perdemos tempo a espalhar a Boa-nova: “Ia haver equipa de futsal… Era o… Adivinhem…PROJECTO!!!

Daqui em diante, o referido termo era o mais ventilado nas conversas de café. Muitas vezes vinha acompanhado de uma estridente gargalhada, entre golos de imperial e tremoços aos montes…

O projecto concretizou-se… Temeu-se o pior… O projecto ia acabar. Porque, pensem comigo: um projecto é um planear de qualquer coisa. Quando essa coisa se concretiza, deixa de ser um projecto e passa a ser uma realidade, não é? Mas neste caso tudo era diferente, este conceito tinha adquirido uma dimensão diferente, maior… E a obra que hoje está em marcha, continua a ser e será sempre… O projecto.

Se actualmente Projecto significa: amizade, entreajuda, solidariedade, luta, raça, atitude e união (estas três últimas são do Julinho…), no futuro significará campeão.

E perguntar-se-á: Qual projecto? O PROJECTO CAMPEÃO!!!

PS - A foto é só para eu me lembrar de como era bom quando tinha dois joelhos… Ah, é verdade, tenho que falar do meu irmão senão fica chateado… O afilhado do mister Quintino é um jogador do caraças. Sabe muito de futsal (não estou a gozar, ã?)…

quinta-feira, novembro 23, 2006

... Em tudo...

E se escrevesse um poema?

Não sobre o amor ou a noite

Sem o fado ou o luar

Um frívolo poema assim

Sem magicar…

Sobre uma coisa qualquer

Sim, uma coisa qualquer

Uma coisa qualquer tem qualquer coisa de poético…

Há poesia no frenético,

No anti-estético

No orgânico, no mecânico

No harmónico e na entropia

No colorido a preto e branco

Na tempestade e na acalmia

No palpável e no impalpável

No físico, no inexplicável

No eterno ou no pontual…

Na esterilidade inesgotável

Em qualquer coisa trivial

È possível,

A fenda na alma lateja

E é possível,

Sim… Ei-lo!

Triunfante, o poema

A emprestar brio à coisa

A qualquer coisa

A uma coisa qualquer!

Miradouro de Luz

O alinhamento descuidadamente perfeito

Dos lares que jazem na luz nacarada

Reclusa ocasional dos olhos ébrios

Do transeunte que desliza satisfeito;


O brilho adivinhado de um rio,

Um caudal de preces e promessas

Rasgado pela frieza distinta do aço,

Enquanto a figura promete um abraço;


Um castelo iluminado à força

Com a luz de glórias de outrora,

Com lampiões sujos de agora

Que reclamam o trono ao astro;

O astro encoberto sem estranheza,

Saudosa a sua calorosa frieza

Aquece, ilumina e exalta

Doutrina que à noite não faz falta.

segunda-feira, novembro 20, 2006

O jogo está controlado...


O jogo está controlado, sente-se uma estranha impressão de segurança, como se fosse impossível a vitória escapar, apesar da ténue vantagem no marcador. A equipa contrária, por sua vez, sente que há pouco a fazer, não se resigna claro, mas no fundo está pouco confiante na recuperação… Percebe-se isto não sei explicar como… Sabemos que seria injusta uma inversão do resultado, se bem que a justiça aqui pouco determina, não é? A sorte sim…Sorte? O que é a sorte? Não, não vamos escrever um livro de filosofia, pois não?! Voltemos ao que interessa, se é que interessa…

Recupera-se a bola num golpe de antecipação, com que por premunição… A bola é nossa, é minha, particularizando… Quando a bola é nossa/minha, sente-se um certo poder, uma sensação de que possuímos algo sagrado. O Santo Graal, um septo maravilhoso que permite mudar o mundo, uma lamparina mágica pronta a esfregar, ou neste caso, a chutar. Talvez por nos fazer sentir assim a procuremos tanto e lutemos tanto por ela.

Um jogo de futebol é no fundo o recriar de uma batalha medieval. É uma manifestação da necessidade de competir indissociável da condição de ser humano. Apesar da sociedade nos ter ensinado a recalcar tal instinto, ele manifesta-se diariamente. Sim, podemos dizer que a vitória não é importante, que só queremos praticar exercício e tal… Mas aquele nó no estômago, aquela má disposição angustiante que se sente quando consumada a derrota, o fracasso, o sermos vencidos, ultrapassados, inferiorizados é difícil materializar em palavras. Nem que se sinta só por alguns minutos, ou mesmo segundos, sente-se durante o tempo em que a nossa consciência diz ao nosso instinto: “ Calma, foi só um jogo de futebol.”

Continuando, a bola é minha… Inicio a condução em direcção ao meio campo contrário. No percurso vou tocando com delicadeza na esfera mágica, como quem lhe pede encarecidamente para seguir ali, junto ao meu pé direito até ao destino marcado. Imprimo um ritmo desvairado, como quase em todo o jogo, em espasmos musculares intensos acelero ao máximo…Embriagado pela autoridade que encerra a efémera posse da bola sigo faminto, como uma leoa que caça para alimentar uma ninhada, persigo não a gazela, mas o golo… Esse ultrapassar de uma linha, de uma barreira invisível, que separa a felicidade da desilusão… Que decide o que pode ser um momento de êxtase incomparável, de um instante de decepção…

Sou simultaneamente o predador e a presa… Vou no encalço de algo, mas por sua vez estou exposto, estou vulnerável, tenho o mundo a observar-me, atento a cada gota de suor que me sai dos poros… Os meus oponentes espumam de raiva farejando-me o rasto, afinal, possuo o que eles reclamam seu… Sou um ladrão, um salteador que lhes usurpa o tesouro no seu próprio território.

Vou confiante, mas desconfiado, o meu cérebro vai pesando as inúmeras hipóteses que tenho… Vai tentar maximizar o êxito da operação, a operação de decidir… Tão complexa, que só mesmo milhões de neurónios electricamente excitados à velocidade da luz o conseguiriam em tão curto espaço de tempo… As imagens vão surgindo com que a anteverem o resultado de cada jogada possível… “Sigo até à área, liberto no parceiro que se desmarca à esquerda, finto este gajo que aqui vem atrás de mim, remato já, não, agora, espera, passa antes, isso, simula o remate e passa de forma dissimulada…”

Simulo o remate e passo de forma dissimulada ao parceiro que vinha em desmarcação ao meu lado… Somos uma matilha a trabalhar em conjunto… Conheço-o bem, sei o que é capaz de fazer, já caçámos juntos antes…

Segue-se a tentativa de fotografar o instante que me fez sentir pequenino, que me voltou a fazer sentir uma folha, não ao sabor do vento, mas das circunstâncias, do acaso? Por outro lado, um momento que me fez sentir ao mesmo tempo orgânico e mecânico. Orgânico pois senti de facto, a matéria de que sou feito, o aglomerado de tecidos celulares que me fazem… Senti-os a ceder, a romper… Não aguentaram a pressão instantânea imposta naquele movimento em associação ao choque com um rival acidental… Mecânico, porque ouvi um ruído, ou melhor, senti uma vibração a ser conduzida internamente pelo meu corpo, com origem naquele rasgar de uma correia de distribuição, de um tirante que é um ligamento: “Um ligamento é um feixe de tecido fibroso, mais ou menos comprido, largo e robusto, de forma aplanada ou arredondada, que une entre si duas cabeças ósseas de uma articulação.” (Wikipédia)

O tempo parou, estou deitado num chão de madeira polido, oiço-me a gritar, não tanto por uma dor aguda que me percorria a perna, mas mais pela sensação estranha e nova que tinha experimentado… Por ter tomado consciência quase de imediato, de que algo estava errado no meu equilíbrio enquanto organismo vivo… Estava aterrorizado com a possibilidade, que para mim era uma certeza, de me ter lesionado gravemente. E gritei como nunca, o pavilhão, esse coliseu que antes pulsava de emoção, quase gelou, só ouvia os meus gritos, qual ave a quem uma cobra rouba os ovos, aflito.

Depois veio a racionalidade, com ela também uma ingénua e quase patética esperança de que não fosse nada de grave. Logo depois a confirmação do pior: estava de facto incapacitado até de andar, ainda mais de jogar, combater…

Abandonei a arena e não sei quando vou regressar…

Inveja Prima


Confesso! Ao mesmo tempo que me dissolvo numa leitura ou me envolvo numa música, sinto inveja... É sintomático, se sentir uma ponta de inveja do criador de uma obra-prima é porque esta me toca de alguma maneira. De uma maneira especial.

Não sei se acontece a toda a gente, mas eu invejo aqueles que, através da arte, têm a capacidade de me fazer devanear, entrar em mundos imaginários, perder-me em tentativas de interpretação dos espectros que inundam a minha mente em catadupa.

Admito que penso: “Como é que alguém conseguiu produzir isto?! Eu nunca o conseguiria…” É aqui que reside a invídia que sinto nestas ocasiões, na minha incapacidade de gerar algo tão maravilhoso. Se me sinto grato ao inventor de tal instrumento de prazer, por outro lado sinto-me esmagado pela sua magnificência. É um misto de realizações mentais, das quais, na melhor das hipóteses, a resignação é a definitiva. É uma resignação de conotação positiva por assim dizer, pois é um admitir que estou perante algo extraordinariamente bom. Qualquer coisa que pensava ser impossível realiza-se ali, em mim… Nota, ou é mesmo algo supremo, ou pode também acontecer esta impressão ser efémera. Dar-se este fenómeno devido a alguma fragilidade momentânea induzida por algo exterior, ou por algum estado de espírito mais susceptível…

Não estou a referir-me a nada lancinante, que me incomoda de alguma forma. Não… É até um exercício que pratico de forma cada vez mais descontraída, com o passar dos tempos e com a percepção cada vez mais nítida da mortalidade que me encerra. De forma descontraída porém criteriosa. Nem sei se é criteriosa, porque não há um critério pré-estabelecido, não é?! Na apreciação da arte nunca podemos esperar que uma obra preencha algum requisito à partida, acho eu. Ela acontece-nos e pronto!

É espantosa a infinidade de formas de percepção que uma só entidade pode abranger, espantosa a infinidade de factores de que pode depender esta percepção. E multiplicar infinito pelas entidades dispostas a expor-se a esse estímulo. Que loucura!