segunda-feira, novembro 20, 2006

Inveja Prima


Confesso! Ao mesmo tempo que me dissolvo numa leitura ou me envolvo numa música, sinto inveja... É sintomático, se sentir uma ponta de inveja do criador de uma obra-prima é porque esta me toca de alguma maneira. De uma maneira especial.

Não sei se acontece a toda a gente, mas eu invejo aqueles que, através da arte, têm a capacidade de me fazer devanear, entrar em mundos imaginários, perder-me em tentativas de interpretação dos espectros que inundam a minha mente em catadupa.

Admito que penso: “Como é que alguém conseguiu produzir isto?! Eu nunca o conseguiria…” É aqui que reside a invídia que sinto nestas ocasiões, na minha incapacidade de gerar algo tão maravilhoso. Se me sinto grato ao inventor de tal instrumento de prazer, por outro lado sinto-me esmagado pela sua magnificência. É um misto de realizações mentais, das quais, na melhor das hipóteses, a resignação é a definitiva. É uma resignação de conotação positiva por assim dizer, pois é um admitir que estou perante algo extraordinariamente bom. Qualquer coisa que pensava ser impossível realiza-se ali, em mim… Nota, ou é mesmo algo supremo, ou pode também acontecer esta impressão ser efémera. Dar-se este fenómeno devido a alguma fragilidade momentânea induzida por algo exterior, ou por algum estado de espírito mais susceptível…

Não estou a referir-me a nada lancinante, que me incomoda de alguma forma. Não… É até um exercício que pratico de forma cada vez mais descontraída, com o passar dos tempos e com a percepção cada vez mais nítida da mortalidade que me encerra. De forma descontraída porém criteriosa. Nem sei se é criteriosa, porque não há um critério pré-estabelecido, não é?! Na apreciação da arte nunca podemos esperar que uma obra preencha algum requisito à partida, acho eu. Ela acontece-nos e pronto!

É espantosa a infinidade de formas de percepção que uma só entidade pode abranger, espantosa a infinidade de factores de que pode depender esta percepção. E multiplicar infinito pelas entidades dispostas a expor-se a esse estímulo. Que loucura!

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