segunda-feira, novembro 20, 2006

O jogo está controlado...


O jogo está controlado, sente-se uma estranha impressão de segurança, como se fosse impossível a vitória escapar, apesar da ténue vantagem no marcador. A equipa contrária, por sua vez, sente que há pouco a fazer, não se resigna claro, mas no fundo está pouco confiante na recuperação… Percebe-se isto não sei explicar como… Sabemos que seria injusta uma inversão do resultado, se bem que a justiça aqui pouco determina, não é? A sorte sim…Sorte? O que é a sorte? Não, não vamos escrever um livro de filosofia, pois não?! Voltemos ao que interessa, se é que interessa…

Recupera-se a bola num golpe de antecipação, com que por premunição… A bola é nossa, é minha, particularizando… Quando a bola é nossa/minha, sente-se um certo poder, uma sensação de que possuímos algo sagrado. O Santo Graal, um septo maravilhoso que permite mudar o mundo, uma lamparina mágica pronta a esfregar, ou neste caso, a chutar. Talvez por nos fazer sentir assim a procuremos tanto e lutemos tanto por ela.

Um jogo de futebol é no fundo o recriar de uma batalha medieval. É uma manifestação da necessidade de competir indissociável da condição de ser humano. Apesar da sociedade nos ter ensinado a recalcar tal instinto, ele manifesta-se diariamente. Sim, podemos dizer que a vitória não é importante, que só queremos praticar exercício e tal… Mas aquele nó no estômago, aquela má disposição angustiante que se sente quando consumada a derrota, o fracasso, o sermos vencidos, ultrapassados, inferiorizados é difícil materializar em palavras. Nem que se sinta só por alguns minutos, ou mesmo segundos, sente-se durante o tempo em que a nossa consciência diz ao nosso instinto: “ Calma, foi só um jogo de futebol.”

Continuando, a bola é minha… Inicio a condução em direcção ao meio campo contrário. No percurso vou tocando com delicadeza na esfera mágica, como quem lhe pede encarecidamente para seguir ali, junto ao meu pé direito até ao destino marcado. Imprimo um ritmo desvairado, como quase em todo o jogo, em espasmos musculares intensos acelero ao máximo…Embriagado pela autoridade que encerra a efémera posse da bola sigo faminto, como uma leoa que caça para alimentar uma ninhada, persigo não a gazela, mas o golo… Esse ultrapassar de uma linha, de uma barreira invisível, que separa a felicidade da desilusão… Que decide o que pode ser um momento de êxtase incomparável, de um instante de decepção…

Sou simultaneamente o predador e a presa… Vou no encalço de algo, mas por sua vez estou exposto, estou vulnerável, tenho o mundo a observar-me, atento a cada gota de suor que me sai dos poros… Os meus oponentes espumam de raiva farejando-me o rasto, afinal, possuo o que eles reclamam seu… Sou um ladrão, um salteador que lhes usurpa o tesouro no seu próprio território.

Vou confiante, mas desconfiado, o meu cérebro vai pesando as inúmeras hipóteses que tenho… Vai tentar maximizar o êxito da operação, a operação de decidir… Tão complexa, que só mesmo milhões de neurónios electricamente excitados à velocidade da luz o conseguiriam em tão curto espaço de tempo… As imagens vão surgindo com que a anteverem o resultado de cada jogada possível… “Sigo até à área, liberto no parceiro que se desmarca à esquerda, finto este gajo que aqui vem atrás de mim, remato já, não, agora, espera, passa antes, isso, simula o remate e passa de forma dissimulada…”

Simulo o remate e passo de forma dissimulada ao parceiro que vinha em desmarcação ao meu lado… Somos uma matilha a trabalhar em conjunto… Conheço-o bem, sei o que é capaz de fazer, já caçámos juntos antes…

Segue-se a tentativa de fotografar o instante que me fez sentir pequenino, que me voltou a fazer sentir uma folha, não ao sabor do vento, mas das circunstâncias, do acaso? Por outro lado, um momento que me fez sentir ao mesmo tempo orgânico e mecânico. Orgânico pois senti de facto, a matéria de que sou feito, o aglomerado de tecidos celulares que me fazem… Senti-os a ceder, a romper… Não aguentaram a pressão instantânea imposta naquele movimento em associação ao choque com um rival acidental… Mecânico, porque ouvi um ruído, ou melhor, senti uma vibração a ser conduzida internamente pelo meu corpo, com origem naquele rasgar de uma correia de distribuição, de um tirante que é um ligamento: “Um ligamento é um feixe de tecido fibroso, mais ou menos comprido, largo e robusto, de forma aplanada ou arredondada, que une entre si duas cabeças ósseas de uma articulação.” (Wikipédia)

O tempo parou, estou deitado num chão de madeira polido, oiço-me a gritar, não tanto por uma dor aguda que me percorria a perna, mas mais pela sensação estranha e nova que tinha experimentado… Por ter tomado consciência quase de imediato, de que algo estava errado no meu equilíbrio enquanto organismo vivo… Estava aterrorizado com a possibilidade, que para mim era uma certeza, de me ter lesionado gravemente. E gritei como nunca, o pavilhão, esse coliseu que antes pulsava de emoção, quase gelou, só ouvia os meus gritos, qual ave a quem uma cobra rouba os ovos, aflito.

Depois veio a racionalidade, com ela também uma ingénua e quase patética esperança de que não fosse nada de grave. Logo depois a confirmação do pior: estava de facto incapacitado até de andar, ainda mais de jogar, combater…

Abandonei a arena e não sei quando vou regressar…

4 comentários:

Unknown disse...

Vais voltar quando for possivel CAMPEÃO, vamos ser CAMPEÕES juntos, todos nós projectistas, que agora tamos vantagem numerica no campo de jogo, pois vamos ser sempre 6 contra 5, pq tu vais lá estar dentro tambem. Ultras

Miguel 1971 disse...

Rápidas melhoras....fazes bastante falta Capitão.
Mas podes ficar descansado, que mesmo sem capitão vamos levar o barco e respectivo poste a bom porto.....

Um abraço do pivot cota...

Pessoa disse...

Miúdo neste momento o que mais precisas é de ter calma mas como já te conheço a algum tempo sei que tens essa capacidade, a força necessária para ultrapassar este momento por que estas a passar. E quando ultrapassado vais regressar ao combate pois fazes muita falta neste grupo de projectistas que vão ser campeões e tu vais lá estar a festejar connosco.Um forte abraço e as melhoras ao GRANDE CAPITÃO E AMIGO ROGER.

Anónimo disse...

ó Rogerio tu tens de escrever um livro sobre quelquer coisa...

Eu tambem tive essa lesão como sabes mas nunca atinha conseguido descrever desta forma.

As ditas pessoas normais podem não perceber o alcance total das tuas palavras com as quais tentas transmitir o teu pensamento. A minha situação foi em 87 e como eu tem entendo...


Parabens pela escrita.

Eurico