terça-feira, abril 10, 2007

O conforto único...


Saio de casa de madrugada. Pela frente há 320 Km de macadame para vencer, uma semana de labuta para superar, intuitos e empreitadas, uma rotina solitária e uma distância já usual de quem se ama…

Apenas um conforto: o Alentejo!

O assistir a cento e vinte ao nascer do sol à minha esquerda. A luz que me ilumina o caminho e aquece o interior do carro lentamente. Que descobre os campos que vou displicentemente apreciando.

A cada viagem um novo pormenor… Uma fonte, uma represa, um monte, uma azinheira e uma poupa a passar em voo rasante ao pára-brisas…

É um encher de espírito em cada vislumbre. Até Mora, há a Barragem de Montargil, espelho ainda pouco iluminado que fumega e enche o ambiente de um misticismo sobrenatural. Há boa cortiça em sobreiros valiosos. Depois Pavia, menos densidade de árvores e mais campo verde, com represas aqui e ali, brilhantes. Vacas esquecidas entre erva por pastar e o horizonte, verde, doirado, castanho… O sol já se mostra todo, e sem vergonha reflecte-se ofuscantemente nas gotas de orvalho, que carregam com o seu peso as vadias ervas, dobrando-as.

Sobe-se para Arraiolos e antes da rotunda, a espreitadela à esquerda. Consegue ver-se lá em baixo a pousada, no meio dos campos só rompidos por sobreiros, azinheiras e água aqui e ali… No preciso semáforo das Ilhas dá para beber mais dessa paisagem, agora mais recortada e levemente sinuosa.

A chegada a Évora no avistamento do Arco que me dá as boas vindas. A cidade que primeiramente conheci. Eu ou um eu sem consciência, com saudades de um cordão umbilical e um líquido quentinho a envolver-me. A hora é de tráfego, há gente que tem mais um dia pela frente. Absortos, os transeuntes despenham-se nos passeios e no carro ao lado há quem se ria da mesma piada que eu. É o Markl na rádio… Companhia indispensável. A muralha à esquerda, património da humanidade anunciada e uma dificuldade em tirar aquele macaco do nariz, enquanto o semáforo não fica verde. Á saída, as vinhas… Divididas pelo alcatrão cinzento apenas. Os fios de arame, amparo quando maduras, parecem agora cordas de uma imensa guitarra, tocada pelo astro. Se tivesse som seria uma moda de Carlos Paredes, num dedilhado lento e embalador.

Depois é o Alentejo outra vez. E Beja, também à esquerda. Rotundas, restaurante internacional de logótipo vermelho e amarelo e o quartel à saída. Pelo meio, pessoas que passeiam junto à estrada de fato de treino e eucaliptos frondosos.

A placa anuncia S. Matias, que equivale a dizer sandes de presunto e sumol de laranja, ou leite ucal, porque para mini sagres ainda é cedo… Enfim, bucha e café para acordar! Ou aqui ou na estação de serviço de Almodôvar – menos romântico e mais caro…

O IP2, cento e trinta, cento e quarenta. A densidade de árvores é menor e a planície domina cada vez mais. Casas brancas nos cabeços pintam pontualmente o quadro dinâmico que se esboça.

Um castelo e Portel surge branca. “Bonita esta Vila, qualquer dia, quando tiver tempo entro lá para ver as vistas”, penso…

O betuminoso e a planície conduzem-me, há cruzamentos que são hipóteses, oportunidades de ali ficar, no Alentejo. E há uma pérola à direita, Albernôa. Numa encosta, casas baixas brancas descem a beijar um riacho tímido, que rasga um vale dominado por azinheiras e pedras e ervas e verde e castanho e o branco das casas, tão brancas. Têm antenas mais altas que elas, pitoresca imagem de desequilíbrio e esbelteza descabida. A beleza outra vez ali.

Castro-Verde e a seguir a auto-estrada. Cento e quarenta, cento e cinquenta. Já há pressa em chegar. Admiro os taludes cortados pela útil via e os vales cada vez mais fundos que são superados pelos viadutos quase consecutivos. É a serra e já não é Alentejo. Também é bonito, mas já há pressa e impaciência. Há afazeres à espera e com azar o telefone já vai tocando. É a realidade que me espera. O Alentejo confortou-me e agora estou entregue a mim outra vez. Venha o Algarve!

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