sexta-feira, agosto 17, 2012
Ensaios
segunda-feira, junho 04, 2012
Benvinda Sejas Maria
Benvinda sejas
À grande casa solar
A este tempo finisecular
Hoje é o teu dia de estreia
Olha à volta tens a casa cheia
Há estrelas e rios na plateia
Tudo isto é teu
Aquém e além do horizonte
A brisa que afaga o amieiro
E a água na fonte
Benvinda sejas, maria
Benvinda sejas, maria
Por ti as águias velam
No cimo dos montes
E a lua rege
O orfeão das marés
À noite os poetas
Decifram os lunários
Para ver se conseguem
Descobrir quem és
Tudo isto é teu
A terra é tua serventia
Mas vais ter de lutar
Por ela e por ti em cada dia
Benvinda sejas, Maria
Benvinda sejas, Maria
sexta-feira, junho 01, 2012
Maria,
sexta-feira, abril 20, 2012
Ultras da Ponte
quinta-feira, abril 19, 2012
Incerteza
sexta-feira, março 16, 2012
Não abri os olhos (I, II, III, IV, V)
I
Entraste no quarto a invadir o silêncio. Conseguia perceber que te movias, sabia exactamente onde estavas. Não abri os olhos. A minha respiração a mesma, como se ainda sonhasse tranquilamente. Na face um sorriso estúpido, as bochechas espalmadas na almofada, o cabelo com jeitos incorrigíveis e o mau hálito matinal, tudo boas razões para continuar a fingir que dormia. O cheiro que invadiu o quarto ao mesmo tempo que tu, denunciava um banho tomado e que possivelmente te passeavas nua, com o cabelo molhado, enquanto escolhias a roupa interior. Sentia uma frescura no ar que deslocavas e percebia exactamente quando te encontravas no meu campo de visão. Não abri os olhos. Ainda assim continuei a fingir um sono profundo, alheio a um espectáculo que, talvez por masoquismo, me privava de assistir. Não abri os olhos.
Apesar de ainda na cama, sentia-me fresco, vigoroso, capaz de num salto me levantar e mostrar-me fisicamente capaz, forte. Teria apenas de accionar o mecanismo, o meu cérebro processar a informação e num ápice: Ops! Não abri os olhos. Continuei imóvel, espalmado sobre e entre os lençóis, imiscuído no colchão, quase fundido com ambos. Saíste.
II
Continuei acordado. Não abri os olhos. Ouvi a porta fechar-se e aí sim, resolvi levantar-me. Contudo, o som longínquo da gaita de um Amola Tesouras impediu-me de saltar da cama, irrompeu como que a travar a ordem que já havia dado às pernas. Fiquei a ouvi-lo. Não abri os olhos. Imaginava o esvoaçar do cortinado, pois sentia a brisa fresca a invadir o quarto e a arrepiar-me, ao mesmo tempo que a melodia inconfundível me inebriava e transportava para mundos imaginários. Acontece-me. A rara melodia da gaita do Amola Tesouros parece que não é de cá. Aliás, o próprio Amola Tesouras encerra uma origem enigmática. Imagino-o numa manhã fria a sair de casa, uma casa baixinha, no campo, a porta envolta numa videira e um banco ao lado. A luz do dia ainda pouca, pega na bicicleta, gaita ao pescoço, presa por uma fita de cabedal, e vem por entre o nevoeiro e as luzes ainda acesas dos candeeiros velhos até à vila, sempre a descer pela estrada de pedras, porque mora num monte. Chega com a luz do dia, ninguém sabe o seu nome, não deve ter família. Toca pela primeira vez a gaita no silêncio da vila, emprestando-lhe uma banda sonora perfeita. Já sem o nevoeiro, sobre a calçada escura vai por aí fora. Ruas, ruelas e ninguém com uma tesoura para amolar. Nunca vi um Amola Tesouras a amolar uma tesoura. Não sei se já vi um Amola Tesouras. O som da gaita sim: “Tiruriruriiii… Tiruriruri…” Ouve-se de quando em vez, de vez em quando, não sei quando. Nunca se está à espera quando se ouve aquele som. Ninguém deve saber quando vem. O som mais próximo, mais nítido, não oiço mais nada a não ser a gaita do Amola Tesouras, aqueles tubos paralelos, do maior para o mais pequeno, do grave para o agudo, do agudo para o grave. Não abri os olhos.
Será que dormitei? Ainda ouvia o som, ao fundo, quase que o vi a ser levado pelo vento, em tons amarelo-torrado, o som. Não abri os olhos. Estava acordado, devia levantar-me. Que horas seriam? “Que dia é hoje?” Perguntei-me sem querer saber a resposta. O quarto menos fresco, o sol já devia projectar-se no pavimento a imitar madeira. Continuava deitado, o corpo imóvel, esparramado, mas a mente em devaneios, a absorver. Não abri os olhos.
“Chega! Vou levantar-me”. Mas primeiro abro os olhos. O que verei quando os abrir? Lençóis, pedaço de cama, tapete, parede branca, chão… Hei! Hum! Que cheiro é este? Peixe a assar, há um peixe numa grelha a libertar aromas que enchem bocas de água. Lambi o lábio superior, parece que assim passei a sentir melhor o cheiro, ainda suave, que agora entrava pelo quarto. Não abri os olhos. Vi o peixe na grelha, escalado. Pedras de sal em cima. Depois vi-o no barco, acabado de pescar, a saltar ainda, reflectindo luz reflectida pela lua das cinco da manhã. A luva do pescador, de borracha, a envolvê-lo, a atirá-lo para junto dos seus pares, companheiros de cardume, agora agonizando, aos saltos, encandeados pela luz do barco, amarela, sem perceberem nada. Vi-o momentos antes da rede o içar para um mundo que não o seu, no indigo daquele mar, quase estuário ainda. Vi-o, com a voracidade que só ele parecia ter, a engolir de uma vez um mais pequeno, distraído, assustado com o aproximar de um vulto enorme à superfície. O vislumbre da ponta do cigarro do pescador, assomado na proa, não o demoveu de perpetrar aquela que seria a sua última caçada. Não abri os olhos.
Percebi que tinha fome, devia ir comer. Levantar-me e ir comer era o que devia fazer. Dizia-me o corpo, algo cansado de lutar contra mim, que continuava ali, espalhado pela cama. O quarto quente já, o dia a meio e eu: os olhos fechados. Não abri os olhos.
III
E se, por via da total inactividade e consequente poupança de energia, conseguisse ignorar completamente a fome? Não abri os olhos. Concentrei-me no estômago, que existia empurrado contra o colchão, entre eles o lençol, a pele e demais tecidos. Imaginei-o vazio e eu lá dentro, pequeno. Estava escuro. Equilibrava-me na parede húmida, cavernosa, irregular, vermelha viva, viva. A superfície escorregadia e lá no fundo uma pequena poça de líquido esverdeado a emanar vapores ácidos. O cheiro: impossível. A poça cada vez mais pequena, como o fundo de uma banheira entupida cujo ralo deixa passar a água muito devagar. Formava-se uma bolha de ar no centro e, quando rebentava, sumia-se mais um pouco do líquido pelo orifício. Nesse instante um barulho enorme e salpicos pelas paredes. Não abri os olhos. Percebi os ruídos que o meu estômago produzia, mas decidi ignorá-los.
O quarto quente, a fome, a cama, eu e o quarto. Levitei e saí do meu corpo, não abri os olhos. Abandonei-me, subi até ao tecto, sentei-me no candeeiro e fiquei a observar-me. Os olhos fechados, costas nuas, lençol pelas pernas, a cara esborrachada contra a almofada. “O que fazes aí?” – perguntei. “Daqui vejo crianças lá fora, uma bola a saltar à frente delas e gritos. Jogam à bola.” Sim, de facto distinguia os sons da futebolada que acontecia não muito longe da minha janela. De repente era eu a bola. Não abri os olhos.
IV
Era pontapeado de todas as formas possíveis. O jogo era uma anarquia completa, as crianças disputavam-me como se do septo mais sagrado se tratasse. Levantava voo e sem cair no chão era de novo pontapeado. Apesar de tudo eram suaves, os impactos de que ia sendo alvo, mesmo quando me despenhava no chão e saltitava e rodopiava à espera de outro pontapé, não sentia senão suaves embates. Parece que tudo se passava a uma velocidade muito menor do que a real. As crianças tentavam jogar o mais rapidamente possível, como tem de ser, mas a minha percepção era de que tudo acontecia lentamente. A distância a percorrer entre o pontapé vitorioso e a baliza improvisada na porta da garagem demorava tempo suficiente para ir apreciando a paisagem. As obras, a roupa estendida, a vizinha à janela a sacudir a toalha do almoço, o vizinho a passear o cão irritante. Não abri os olhos.
Do candeeiro, via-me inactivo, quase que conseguia ouvir o meu cérebro a ordenar-me que me levantasse. Os barulhos do estômago: desistiram de mim. Mergulhei-me. Não abri os olhos. Continuei a respirar para cima da almofada húmida de baba. Sentia o cabelo despenteado, a barba espetava-se no lençol. O quarto cada vez mais quente, a fome, a cama e eu e o quarto. Apurei todos os sentidos na tentativa de absorver algo que me levasse noutro devaneio. Divertia-me o exercício. Saia de mim, mas ali continuava. Não abri os olhos.
V
Imaginei o cortinado a esvoaçar, quase que o senti a tocar-me na perna quando uma brisa, já mais fresca, entrou suavemente pelo quarto. Não abri os olhos. Arrepiei-me. Concentrei-me no arrepio. O arrepio tem qualquer coisa de metafísico, é difícil explicar, com certeza há estudos sobre o fenómeno, teorias, fábulas ou crenças, mas aquele tremor, o eriçar dos pelos dos braços, o friozinho a percorrer o corpo são sempre sensações que nos abstraem do resto. Sente-se um arrepio e não se pode ser indiferente a ele, é isto. E é bom, quase sempre. E depois podíamos debruçar-nos sobre as causas, que podem ser as mais variadas e, mais interessante, podem ter origem puramente física – arrepio de frio – ou simplesmente mental – ouvir aquela música, naquele momento. Arrepiando caminho (sei que foi fácil, mas tinha de ser…): já disse que estava na cama, imóvel, em viagens mentais, a lutar contra o cérebro que queria que me levantasse e fosse comer, enfim, estamos nisto e vem o arrepio. Eriçam-se-me os pelos dos braços e vão pelas fibras dos lenços, colchão e são raízes de árvore à procura de água em solo estéril, seco. Sou uma árvore do deserto, uma daquelas famosas Joshua Tree, com uns mil anos de vida, a ver passar coiotes, cascavéis e à noite as borboletas, o céu com estrelas diferentes, já as devo ter contado todas. Um vez vi um homem e, no minuto seguinte, passavam comboios mesmo perto de mim. Já não passam, a linha foi engolida por areia e ervas sempre secas. Um dia destes, uma dessas ventanias vai-me arrancar e cairei e a areia engole-me também, enquanto isso vou dormindo sob o sol abrasador à espera da estação húmida. Aí, as minhas raízes absorverão até a menor das gotículas de água e floresço durante uns dias. Estou dormente, à espera da estação húmida, para florescer. Não abri os olhos.
O sol já deve ir no seu sentido descendente, o quarto arrefece e eu em arrepios de frio, mas imóvel, sem abrir os olhos. Fome, frio, o corpo dormente, a experimentar a imobilidade. Comigo, com os desvarios, em testes, em desafios, sem objectivo, num vazio preenchido apenas por sensações entre o palpável e o nem por isso. Oiço a televisão de uma casa qualquer perto e tento não lhe prestar atenção, não vá reconhecer um qualquer genérico que me situe temporalmente. Não quero saber as horas. Não abri os olhos. De quando em vez, um carro passa na rua e agora uma sirene ao longe, na estrada nacional. Em estridentes variações de frequência sonora e flashes azuis. Oiço-a só a ela agora, ensurdecedora, os flashes azuis passam-me mesmo em frente aos olhos e quase me cegam. Não os abri, os olhos. Sou a garrafa de soro pendurada, aos solavancos, ao sabor das curvas e lombas da estrada. Lá em baixo, numa imagem meio turva, distingo alguém em volta da marquesa, movimentos rápidos, urgentes. Uma travagem brusca e precipito-me no chão da ambulância. Rebolo sem parar e quase perco o líquido, para um lado, para o outro, não oiço nem vejo mais nada, só luzes rápidas e difusas. Nisto, uma mão forte levantou-me e apertou-me, pude ver-lhe os olhos a inspeccionarem-me. ”Safou-se por pouco.” Não abri os olhos.
Já deve ser quase noite. A porta a abrir-se, oiço-a e estremeço, mas só por dentro. Não abri os olhos. Entras no quarto a invadir o silêncio, trazes calor contigo ao quarto frio e adivinho-te a aproximares-te da cama, debruças-te sobre mim, encostas quase o teu rosto ao meu, os cabelos sinto-os nas minhas costas frias, o arrepio. E dizes a sussurrar: “Abre os olhos!”.
sexta-feira, janeiro 27, 2012
terça-feira, dezembro 20, 2011
Somos a primeira pessoa do plural
"Estamos tão perto uns dos outros. Somos contemporâneos, podemos juntar-nos na mesma frase, conjugarmo-nos no mesmo verbo e, no entanto, carregamos um invisível que nos afasta. Ouvimos os vizinhos de cima a arrastarem cadeiras, a atravessarem o corredor com sapatos de salto alto, a sua roupa molhada pinga sobre a nossa roupa a secar; ouvimos a voz dos vizinhos de baixo, dão gargalhadas, a nossa roupa molhada pinga sobre a roupa deles a secar; cheiramos as torradas dos vizinhos do lado, ouvimo-los a chamar o elevador e, no entanto, o nosso maior problema não é apenas não nos reconhecermos na rua. O nosso problema grande é estarmos convencidos que os problemas deles não nos dizem respeito. A nossa tragédia é acharmos que não temos nada a ver com isso.
Há três ou quatro anos, caminhava com um conhecido no aeroporto. De repente, ouviu-se um estalido. Ele agarrou-se ao peito com as duas mãos, caiu de joelhos e, pálido, esperou por morrer. Não morreu. Tinha-lhe rebentado um isqueiro no bolso da camisa. Aliviado, encostado a um balcão, a beber um copo de água, explicou que esse ardor repentino e esse susto pareceram-lhe um ataque cardíaco. Nunca tinha tido um ataque cardíaco antes, por isso confiou em descrições vagas, a que nunca tinha realmente prestado muita atenção.
Há alguns anos também, talvez um pouco mais do que três ou quatro, tinha acabado de participar num jantar cordial, reconfortante. Toda a gente estava bem disposta, à porta dos anfitriões, longa despedida, graças, à espera de táxi. De repente, tocou o telefone de um senhor com quem tinha estado a conversar durante todo o serão. Ninguém reparou nesse telefonema até ao momento em que o senhor começou a chorar convulsivamente. Ficámos todos a olhar sem saber como chegar até ele. Tínhamos braços, estendíamo-los na sua direcção, mas continuavam distantes.
Irritamo-nos com a existência uns dos outros. Fazemos sinais de luzes àquele homem com setenta anos, num carro dos anos setenta, que anda a setenta quilómetros por hora na auto-estrada. Contrariados, esperamos por aquela pessoa que atravessa a passadeira, enchemos as bochechas de ar e sopramos. Impacientes, batemos no volante. Daí a minutos, depois de estacionarmos o carro, somos essa pessoa a atravessar a passadeira. Da mesma maneira, daqui a algum tempo, não muito, seremos esse homem com setenta, dos setenta, a setenta. O tempo passa. Se deitarmos lixo para o chão, alguém o apanhará.
Um amigo que teve um AVC, que passou por uma reabilitação profunda, que enfrentou a morte e a paralisia, depois de anos de fisioterapia, depois de esforço gigante e sofrimento gigante, falou-me da forma como esse susto muda tudo. Passa-se a apreciar aquilo que realmente importa. A imensa maioria das preocupações transformam-se em luxos ridículos, desprezíveis, alimentados pela cegueira. Após essa experiência de quase morte, ganha-se uma nitidez invulgar, que, no entanto, esteve sempre lá. Para percebê-la, bastava levar a sério a promessa de transitoriedade de tudo e, também, levar a sério essa palavra, esse planeta: o amor. Ao ouvi-lo, fui capaz de entender aquilo que dizia. Depois, também fui capaz de entender quando me disse: mas, sabes, ao fim de algum tempo, esquecemo-nos, voltamos a tomar tudo por garantido e voltamos a cometer os mesmos erros.
Repito para mim próprio: estamos tão perto uns dos outros. Não há nenhum motivo para acreditarmos que ganhamos se os outros perderem. Os outros não são outros porque levam muito daquilo que nos pertence e que só pode existir sendo levado por eles. Eles definem-nos tanto quanto nós os definimos a eles. Eles são nós. Eles somos nós. Se tivermos essa consciência, podemos usar todo o seu tamanho. Mesmo que pudéssemos existir sozinhos, de olhos fechados, com os ouvidos tapados, seríamos já bastante grandes, mas existe algo muito maior do que nós. Fazemos parte dessa imensidão. Somos essa imensidão que, vista daqui, parece infinita. "
sábado, novembro 26, 2011
Maria,
Quando soube que aí vinhas fiquei muito feliz. A tua mãe, brilharam-lhe os olhos como em poucas ocasiões… Vou guardar o sorriso dela, deitada na marquesa, a doutora com o aparelhómetro em cima da barriga e umas imagens difusas num ecrã à nossa frente. A doutora cheia de certezas: “É uma menina! Se não for, pago o enxoval” A tua mãe a olhar para mim, os olhos dela a brilhar - já tinha dito que brilhavam? - a procurarem os meus e o sorriso. O sorriso… Linda a tua mãe a sorrir assim. Tu também serás, linda!
Retribui o sorriso, emocionado e fiquei a ver a médica a escrever: M-E-N-I-N-A, enquanto me passava tanta coisa pela cabeça… Toda a gente dizia que ias ser um menino. Teorias, teorias e todas pareciam apontar no mesmo sentido: menino! Mas sabes?! Só tínhamos nome para menina. Há muito que tinhas nome, sabias? Tu ainda uma suposição, um ténue esboço, uma longínqua hipótese e já tinhas nome. “Se tiver uma filha há-de ser Maria.” Depois a tua mãe e eu e: “Se tivermos uma filha: Maria.”
Enfim, depois lembrei-me da tua avó… Sabes que és Maria por causa dela? Não a vais conhecer, mas vou-te falar dela e vais ver: orgulho. Ia ficar tão contente a tua avó… Vais ter o sorriso dela e da tua mãe.
Tão feliz, a tua avó, tão feliz. E o sorriso da tua mãe, os olhos a brilhar e eu: “Maria!”
domingo, abril 03, 2011
A árvore que cresceu comigo

quinta-feira, dezembro 23, 2010
Mão Morta
Uma parca claridade entrava pela grossa porta de madeira, projectando no chão uma linha oblíqua ao compartimento, uma fronteira entre o visível e a obscuridade total. Adiei a observação do corpo que sabia ali jazer e percorri a restante divisão. O chão era de madeira enegrecida, diria podre, em ripas largas muito gastas, das quais se desprendiam lascas afiadas. O ambiente ia ficando cada vez mais pesado, como se a luz se transformasse a cada absorção, a cada novo elemento que ainda assim ia distinguindo. Tendia para um rubor muito escuro, passando primeiro por uns alaranjados, sépias e outras tonalidades impossíveis de catalogar. Seriam os meus olhos? Seria esta uma estranha reacção do pânico, da estupefacção, da incredibilidade, no mínimo, que devia estar a sentir?
No centro, uma cadeira também de madeira, num estilo rústico, tosco, com braços curvos nos quais estavam pendurados restos de cordas velhas. Adivinhava-se o propósito que tinham servido. Enquanto olhava a cadeira, de soslaio conseguia distinguir a mão, que continuava a mexer-se animada por forças inexplicáveis. Quando finalmente a fitei em exclusivo, pude perceber que as palpitações intra-cutâneas eram motivadas por larvas que saíam e entravam cegas, por uma chaga aberta entre o polegar e o indicador. Eram larvas enormes, de proporções extra-mundanas, locomoviam-se de forma rápida e mecânica. Continuei estupidamente sereno. Esperava sentir um cheiro nauseabundo, fétido. A putrefacção era evidente, uma gosma esverdeada surgia aqui e ali, empoçada pelo chão. No entanto, continuava sem sentir cheiro algum, continuava sem nada escutar.
Tentei observar o corpo desfeito, envolto em farrapos que se confundiam com a própria epiderme, mas estava posicionado num plano onde a escassa luminosidade mal chegava. Por mais que tentasse focá-lo, a ambiência era cada vez menos clara. Todo o compartimento estava agora envolto numa vermelhidão quase negra. Confuso, voltei à mão e… Já não estava lá! Apenas gordas larvas, maiores ainda, agora quase imóveis. De todo o quadro, agora só conseguia distinguir lustrosas larvas brancas, estiradas no pavimento de madeira húmido, tão gordas que parecia que podiam rebentar a qualquer momento.
Subitamente um som. Primeiro parecia longínquo, mas rapidamente tomou conta de todo o cenário, varrendo-o abruptamente. Afastei o cobertor, estiquei a mão e alcancei o telemóvel. Desliguei o alarme.
Já no banho voltei ao sonho mórbido que o meu subconsciente se escusou a filtrar. “Tudo isto em sete minutos!?” A duração de um rigoroso snooze que programara na véspera.
segunda-feira, dezembro 20, 2010
Cinzentos de céu

Em mim só cinzentos, muitos
Diferentes mas feios, todos
Cinzentos esbranquiçados, sujos
Feios, sem nada senão ausência
E despido de vestido turvo
Sem nada senão tremores
Do frio do cinzento do…
Ah (cortante, sonoro)
Quem me dera a cor?!
Ausência da ausência
A cor
Pulsa em mim
Sem entender porquê
Ânsia contínua
Tremores do frio, do…
Cinzento em mim!
Não (suspirado entre dentes)
Afinal:
Ama-se o cinzento em mim
Cinzentos de céu
Diferentes mas feios, todos
Brancos acinzentados
Pretos aclarados, sujos
Feios, sem nada senão ausência
segunda-feira, novembro 15, 2010
Não abri os olhos
Apesar de ainda na cama, sentia-me fresco, vigoroso, capaz de num salto me levantar e mostrar-me fisicamente capaz, forte. Teria apenas de accionar o mecanismo, o meu cérebro processar a informação e num ápice: Ops! Não abri os olhos. Continuei imóvel, espalmado sobre e entre os lençóis, imiscuído no colchão, quase fundido com ambos. Saíste.
Continuei acordado. Não abri os olhos.
quinta-feira, outubro 28, 2010
Origem: Portugal.

Atento então nas maçãs dentro do cesto, mesmo ao lado do pack de mini Sagres (escolha essa indubitável). Porque decidi escolhê-las? Porque funcionou tão bem comigo o apelo à compra do que é português? As do lado eram bem maiores e mais brilhantes. O preço não sei, nem destas. “Quanto custaram mesmo? Epah, não, parece-me razoável..” Mas também já não fui ver quanto custavam as peruanas, as espanholas ou as francesas. Mesmo que fossem um pouco mais baratas traria sempre as nossas. Porquê?
Fui formulando teorias enquanto atirava para o cesto as pastilhas com sabor a melancia-ao-pôr-do-sol....
Talvez tenham sido resquícios de patriotismo. Desde o tempo em que selecção portuguesa jogava bem e púnhamos bandeiras à janela ou cantávamos o hino a chorar: “Heróis do mar…” Evocávamos conquistas dos egrégios avós, a lutar contra tudo, por cima de tudo, contra os canhões na terra e no mar… Eh lá, fui longe demais. Às vezes tenho que pôr travão… Não, também não foi isso. Ou não foi só isso…
Há umas publicidades tipo: “comprar o que é nosso” e “o que é nacional é bom” e outras que tais. Também me podem ter influenciado. Tipo surgir um mecanismo qualquer no meu inconsciente sempre que me deparo com uma possibilidade de escolha destas, despoletado por uma espécie de hipnotismo gráfico, subliminar e que o meu consciente não filtra, influenciando-me subtilmente na escolha. Hã? Epah, tenho de parar com isto…
Espera, há a questão da confiança, por exemplo: as nossas maçãs devem ter menos curas maléficas e conservantes injectáveis. Cá não usamos dessas coisas, pois não?! Devem ter vindo de uma quintinha cuja produção foi pouco mais do que aqueles 10 sacos de 1 kilo e usaram sempre fertilizantes naturais como a bosta de vaca e de cavalo e esterco de porco e de galinha e as lagartas eram afastadas pelos tratadores de forma delicada e as moscas comiam os insectos maus e as minhocas ajudavam na combustão e… Ok, já chega!
Acho que foi por acaso! E por causa das merdas, hoje não levo pastilhas…
sexta-feira, setembro 17, 2010
Gatos no ninho e uma colher de prata
terça-feira, maio 04, 2010
Fotos jantar do dia U

Companheiros, amigos, palhaços...


Garganêros

sexta-feira, março 26, 2010
Jantar do dia U

Sobre o jantar, queria só registar que foi batido o recorde de presenças com 16 Ultras (acho eu...). De resto, não há palavras que cheguem para descrever, vou deixar só algumas: companheirismo, Zé do caçador Príncipe, entusiasmo, gamba, alegria, percebe, inspiração, Sagres, exultação, sapateira, gáudio, ginja, parvoeira, João dos Calos, amizade, devoção, Espaço, tontaria, Primo Xico, loucura, Koppus, bebedeira, cama. Foram só algumas de enxurrada… Serão certamente infinitas, portanto quem fizer questão, aceitam-se sugestões.
U?!
quinta-feira, março 11, 2010
Onze do três
quinta-feira, fevereiro 18, 2010
Eu, só pensamos em nós…
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18/04/2006
quarta-feira, dezembro 30, 2009
Quando me falaste dessa ponte...

Quando me falaste nessa ponte… Quando foi mesmo? Desconfiei dela. Pois foi, lembro-me agora. Aquela não era uma manhã para acreditar nessas coisas. Havia sol, uma brisa suave tocava-te o cabelo e havia reflexos de âmbar na tua face. A claridade levava-te a franzir a testa e com os olhos semicerrados, falaste-me nessa ponte. Um misto de entusiasmo e mistério envolviam as palavras que ventilavas sussurrando. Mas aquela não era manhã para acreditar nessas coisas. Prendia-me mais facilmente na dança dos teus lábios, vendo-os articular descobrindo às vezes os dentes, do que no que descrevias. Aquela manhã não era manhã para acreditar nessas coisas. Bebeste o café num trago, parecias agitada. Nem desconfiaste que desconfiava do que me contavas. Nem desconfiaste quando aproveitei para te pegar na mão com a desculpa da reclamação da conta para mim e demorei os meus dedos na tua pele o quanto pude. Essa não era uma boa manhã para acreditar nessas coisas. A culpa não era do sol de Inverno, a culpa era dos teus lábios secos onde de vez em quando um cabelo e tu a afastá-lo com a mão. A culpa era dos teus olhos que às vezes cegavam os meus quando os encontravam. Desviava-os como quando fixamos o sol e já não aguentamos mais.
A história tinha espectros e anjos, acho que tinha criaturas e dimensões que não as nossas, tinha, parece-me, rios de vinho e árvores de ferro enferrujado, que não sabias como, mas aguentavam flores também de ferro. A história era de uma ponte para um imaginário que talvez fosse só teu. Mas aquela manhã… Sei a cor da tua camisola de gola alta, não sei dizer qual era, mas sei a cor que era. Se a visse agora, sabia. E tinhas aqueles brincos que disseste para te comprar no Natal, que estavam na montra daquela loja. Nunca tive coragem para te escolher um presente. Ou nunca arrisquei falhar nessa tarefa e desistia quando perguntava: “O que queres que te

A história tinha aves de papel colorido que assobiavam colcheias e outras formas musicais e que esvoaçavam tipo as andorinhas. Dizias: “Tipo as andorinhas, muito ágeis e rápidas, percebes?” E eu: “Sim, percebo, mas e que cores tinham?” Não me interessavam mais cores que não o castanho dos teus olhos e o castanho do teu cabelo, ou mesmo a da blusa de gola alta que me lembro qual era mas não sei dizer agora. Só queria continuar a perder-me na dança dos teus lábios e na sinfonia do teu sussurro. E encorajava-te a descrever o que tinhas visto ao atravessar a ponte. Não me lembro bem, mas julgo que a descreveste pequena e tosca, como se feita para passar de uma só vez. Um amontoado imperfeito de paus imperfeitos de origens diversas. Era? Não sei, mas as tuas mãos tremiam um pouco. Talvez de frio, aquela esplanada aquecida pelo sol de Inverno era bafejada às vezes por aquela brisa que levavam os teus cabelos aos teus lábios e tu a tirá-los, maneando a cabeça ao mesmo tempo que a mão e… A ponte já não sei, aquela não era uma manhã para acreditar nessas coisas.
Queria que voltasses de lá e atravessasses no sentido da margem onde eu te esperava. Queria ter entrado contigo nessa realidade, fazer parte da tua história. Mesmo que com o corpo de papel colorido, a assobiar colcheias e a voar como as andorinhas. Podia ser. Assim talvez… Mas aquela manhã… Queria antes a realidade daquele rio e daquela ponte perto daquela esplanada onde a tua blusa e os teus brincos, os teus lábios com o cabelo e tu. E eu a tocar-te na mão como quem te chama para a realidade. “Ainda me amas?” era o que queria perguntar em vez de: E que cores tinham, os pássaros de papel que assobiavam colcheias e voavam como as andorinhas?”
Gosto desta colcha, espero lembrar-me dela…