domingo, abril 03, 2011

A árvore que cresceu comigo


Na esquina das casas de madeira, do bairro pré-fabricado que substituiu as barracas, havia uma pequena árvore. A época de que falo parece agora longínqua, separam-nos do presente, no meu caso cerca de um metro, no caso dela uns dez ou doze. O espaço e o tempo confundem-se um pouco quando ali regresso, seja fisicamente, nos confusos sonhos em que sou pequeno, ou numa reconstituição mental de um golo marcado, por entre estendais de roupa a cheirar a sabão macaco e cardos afiados.

As brincadeiras eram sazonais, sem que um plano anual fosse traçado à partida, o interesse pelo berlinde aparecia quando o desinteresse pelo pião se acentuava. E assim aconteciam, independentemente da modalidade, as tardes inteiras de dedicação à mesma. O aperfeiçoamento das técnicas era notório, no final de cada dia éramos mais experientes: a pontaria melhorava, no caso da utilização da fisga, por exemplo.

O desenho da pista para as bicicletas, perto do monte abandonado, era orgânico e mutável e os montinhos de terra que permitiam o descolar das rodas do chão, eram tanto mais altos quanto mais tempo nos perdíamos por ali e, consequentemente, a técnica se ia apurando. Claro que uma queda mais aparatosa e/ou o comprometimento da bicicleta – que claramente não era desenhada para o efeito - podia significar um abrupto término da época. Rapidamente a ocupação era substituída por uma jogatana de bola. Sim, o futebol, latejava sempre naqueles terrenos e a decisão de iniciar uma partida podia partir a qualquer instante, sem complicações, sem horários marcados, necessidade de adequação do vestuário ou calçado. O impedimento maior era muitas vezes a falta da personagem principal. A bola. Muitas vezes fui o proprietário do esférico e fazia depender de mim a felicidade de uns quantos meus pares. Isso deixava-me contente! Quando tinha uma bola nova ansiava pô-la a rolar por ali. Nunca duravam muito tempo, a fraca qualidade do material também ajudava. Mas era sobretudo devido a uma utilização agressiva, em todos os cenários possíveis, que rapidamente se começavam a descolar peças geométricas de couro sintético. Depressa se tornavam todas cinzentas e daí até se começar a vislumbrar a câmara-de-ar de borracha por entre os pontos rebentados, eram dois ou três pontapés mais inflamados.

Eram tempos de liberdade total. É difícil hoje perceber como se podia ser tão imensamente feliz com aquela realidade apenas, sem planos maiores do que o instante seguinte. A verdade é que agora não se atingem, por mais que estejamos num bom período existencial (que tarólogo é que me possuiu o espírito?), momentos de descompressão, despreocupação, enfim, leveza, como os que ali experienciava.

“Anda lanchar filho” A minha avó à porta. Sem luto, desempenada, com força, a sorrir às vezes. Já não sorri há tanto tempo. Duvido que mais alguma vez o faça. A minha avó um pilar, a parede mestra. Depois um sismo, danos irreparáveis, anos a aguentar o que não podia e a cedência, o colapso. Antes avó e mãe e avô e pai, agora toda a tristeza do mundo nela. Um abismo feito gente, um farrapo, nas suas palavras. Como tudo muda. Merecia em vez de um parágrafo, um livro, mas só me saem estes arranques…É difícil.

Da porta da casa da minha avó via-se apenas a ponta da pequena árvore, por detrás do muro. Hoje já não há muro, as casas pré-fabricadas deram lugar a moradias e a pequena árvore é um belo exemplar da sua espécie (- espaço para o nome em latim que nunca vou saber -). Também eu sou outro, vejo as coisas mais de cima, como ela. Como ela vê uma cidade diferente a cada centímetro que cresce, também eu vejo um mundo diferente sem que cresça mais. A árvore e eu fomos crescendo como pudemos.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

Mão Morta

Avistei uma mão pela porta entreaberta, no chão. Mexiam-se os dedos. Dou mais um passo encantado por uma estranha serenidade e absorvo, incauto, uma imagem horrorosa. Uma mão separada de um corpo dilacerado, mas os dedos mexiam-se. Recuo e fico a decidir se quero voltar a observar o macabro cenário. Continuava incrivelmente sereno, apesar da experiência aterradora que vivia. Havia pouca claridade, as imagens formava-se turvas, como que desfocadas, não distinguia sons dignos de nota ou, mais estranho ainda, sentia qualquer cheiro. Foi com uma leviandade assinalável que voltei à porta entreaberta e pude demorar-me a observar o dantesco panorama.
Uma parca claridade entrava pela grossa porta de madeira, projectando no chão uma linha oblíqua ao compartimento, uma fronteira entre o visível e a obscuridade total. Adiei a observação do corpo que sabia ali jazer e percorri a restante divisão. O chão era de madeira enegrecida, diria podre, em ripas largas muito gastas, das quais se desprendiam lascas afiadas. O ambiente ia ficando cada vez mais pesado, como se a luz se transformasse a cada absorção, a cada novo elemento que ainda assim ia distinguindo. Tendia para um rubor muito escuro, passando primeiro por uns alaranjados, sépias e outras tonalidades impossíveis de catalogar. Seriam os meus olhos? Seria esta uma estranha reacção do pânico, da estupefacção, da incredibilidade, no mínimo, que devia estar a sentir?
No centro, uma cadeira também de madeira, num estilo rústico, tosco, com braços curvos nos quais estavam pendurados restos de cordas velhas. Adivinhava-se o propósito que tinham servido. Enquanto olhava a cadeira, de soslaio conseguia distinguir a mão, que continuava a mexer-se animada por forças inexplicáveis. Quando finalmente a fitei em exclusivo, pude perceber que as palpitações intra-cutâneas eram motivadas por larvas que saíam e entravam cegas, por uma chaga aberta entre o polegar e o indicador. Eram larvas enormes, de proporções extra-mundanas, locomoviam-se de forma rápida e mecânica. Continuei estupidamente sereno. Esperava sentir um cheiro nauseabundo, fétido. A putrefacção era evidente, uma gosma esverdeada surgia aqui e ali, empoçada pelo chão. No entanto, continuava sem sentir cheiro algum, continuava sem nada escutar.
Tentei observar o corpo desfeito, envolto em farrapos que se confundiam com a própria epiderme, mas estava posicionado num plano onde a escassa luminosidade mal chegava. Por mais que tentasse focá-lo, a ambiência era cada vez menos clara. Todo o compartimento estava agora envolto numa vermelhidão quase negra. Confuso, voltei à mão e… Já não estava lá! Apenas gordas larvas, maiores ainda, agora quase imóveis. De todo o quadro, agora só conseguia distinguir lustrosas larvas brancas, estiradas no pavimento de madeira húmido, tão gordas que parecia que podiam rebentar a qualquer momento.
Subitamente um som. Primeiro parecia longínquo, mas rapidamente tomou conta de todo o cenário, varrendo-o abruptamente. Afastei o cobertor, estiquei a mão e alcancei o telemóvel. Desliguei o alarme.
Já no banho voltei ao sonho mórbido que o meu subconsciente se escusou a filtrar. “Tudo isto em sete minutos!?” A duração de um rigoroso snooze que programara na véspera.

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Cinzentos de céu


Cinzentos de céu
Em mim só cinzentos, muitos
Diferentes mas feios, todos
Cinzentos esbranquiçados, sujos
Feios, sem nada senão ausência
E despido de vestido turvo
Sem nada senão tremores
Do frio do cinzento do…
Ah (cortante, sonoro)
Quem me dera a cor?!
Ausência da ausência
A cor
Pulsa em mim
Sem entender porquê
Ânsia contínua
Tremores do frio, do…
Cinzento em mim!
Não (suspirado entre dentes)
Afinal:
Ama-se o cinzento em mim
Cinzentos de céu
Diferentes mas feios, todos
Brancos acinzentados
Pretos aclarados, sujos
Feios, sem nada senão ausência

segunda-feira, novembro 15, 2010

Não abri os olhos


Entraste no quarto a invadir o silêncio. Conseguia perceber que te movias, sabia exactamente onde estavas. Não abri os olhos. A minha respiração a mesma, como se ainda sonhasse tranquilamente. Na face um sorriso estúpido, as bochechas espalmadas na almofada, o cabelo com jeitos incorrigíveis e o mau hálito matinal, tudo boas razões para continuar a fingir que dormia. O cheiro que invadiu o quarto ao mesmo tempo que tu, denunciava um banho tomado e que possivelmente te passeavas nua, com o cabelo molhado, enquanto escolhias a roupa interior. Sentia uma frescura no ar que deslocavas e percebia exactamente quando te encontravas no meu campo de visão. Não abri os olhos. Ainda assim continuei a fingir um sono profundo, alheio a um espectáculo que, talvez por masoquismo, me privava de assistir. Não abri os olhos.
Apesar de ainda na cama, sentia-me fresco, vigoroso, capaz de num salto me levantar e mostrar-me fisicamente capaz, forte. Teria apenas de accionar o mecanismo, o meu cérebro processar a informação e num ápice: Ops! Não abri os olhos. Continuei imóvel, espalmado sobre e entre os lençóis, imiscuído no colchão, quase fundido com ambos. Saíste.
Continuei acordado. Não abri os olhos.

quinta-feira, outubro 28, 2010

Origem: Portugal.


“Levo destas que são nossas.”E agarro no saquinho já preparado, com um kilo certo. São pequeninas mas parecem-me boas, rijinhas. Na fila para a caixa, vou decidindo que pastilhas adicionar à lista de compras. Sim, porque é quase impossível não engrossar a conta com um ou dois pacotes de pastilhas. Parece que se precipitam para dentro do cesto, ou para cima do tapete rolante: ”Jeronimoooo”!
Atento então nas maçãs dentro do cesto, mesmo ao lado do pack de mini Sagres (escolha essa indubitável). Porque decidi escolhê-las? Porque funcionou tão bem comigo o apelo à compra do que é português? As do lado eram bem maiores e mais brilhantes. O preço não sei, nem destas. “Quanto custaram mesmo? Epah, não, parece-me razoável..” Mas também já não fui ver quanto custavam as peruanas, as espanholas ou as francesas. Mesmo que fossem um pouco mais baratas traria sempre as nossas. Porquê?
Fui formulando teorias enquanto atirava para o cesto as pastilhas com sabor a melancia-ao-pôr-do-sol....
Deve ser da crise. A crise tem explicado 90% dos nossos dilemas ultimamente, era mais um para o saco (ou cesto, neste caso). Como as coisas estão mal por cá e os economistas da segunda-feira à noite dizem que temos que fomentar a produção nacional… Talvez inconscientemente o banho de crise me tenha levado a esse arbítrio. Hmmm, não! Só por isso não…
Talvez tenham sido resquícios de patriotismo. Desde o tempo em que selecção portuguesa jogava bem e púnhamos bandeiras à janela ou cantávamos o hino a chorar: “Heróis do mar…” Evocávamos conquistas dos egrégios avós, a lutar contra tudo, por cima de tudo, contra os canhões na terra e no mar… Eh lá, fui longe demais. Às vezes tenho que pôr travão… Não, também não foi isso. Ou não foi só isso…
Há umas publicidades tipo: “comprar o que é nosso” e “o que é nacional é bom” e outras que tais. Também me podem ter influenciado. Tipo surgir um mecanismo qualquer no meu inconsciente sempre que me deparo com uma possibilidade de escolha destas, despoletado por uma espécie de hipnotismo gráfico, subliminar e que o meu consciente não filtra, influenciando-me subtilmente na escolha. Hã? Epah, tenho de parar com isto…
Espera, há a questão da confiança, por exemplo: as nossas maçãs devem ter menos curas maléficas e conservantes injectáveis. Cá não usamos dessas coisas, pois não?! Devem ter vindo de uma quintinha cuja produção foi pouco mais do que aqueles 10 sacos de 1 kilo e usaram sempre fertilizantes naturais como a bosta de vaca e de cavalo e esterco de porco e de galinha e as lagartas eram afastadas pelos tratadores de forma delicada e as moscas comiam os insectos maus e as minhocas ajudavam na combustão e… Ok, já chega!
Acho que foi por acaso! E por causa das merdas, hoje não levo pastilhas…

sexta-feira, setembro 17, 2010

Gatos no ninho e uma colher de prata

Saio sem me ver ao espelho, duas voltas ao trinco, toque no botão de chamada. Por cima “Otis”. A cabine abre-se e apareço-me pela primeira vez hoje. “Esta barba já não é nada” penso enquanto vou reparando no pó que os meus ténis carregam. Lá em baixo o mundo, a ponte, o sol (ou a chuva), mas sol. Os dois piscas e posso abrir a porta. Óculos de sol. Depressa antes que me transforme em pó. O iogurte que trazia na mão em cima do banco, o computador também. O caminho faz-se entre golos e vermelhos de semáforo, no meio do rebanho urbano, do fluído de chapas coloridas. O som do rádio, regulo-o vezes sem conta, parece que nunca debita o decibel certo. Agora está alto, agora está baixo. É o trânsito? É. Então interessa-me. Não se passa nada sem ser o habitual, diz o aborrecido radialista. Tem razão. O habitual é o que se vai passando sempre, todos os dias… Perco-me em mais um ou dois pensamentos daqueles possíveis vinte minutos depois de acordar. Dada a fraca disponibilidade cerebral entro absorto no estaleiro, olhar no infinito. Distingo o porteiro desfocado a levantar-me a mão, levanto a minha mecanicamente em resposta à matinal saudação. Já cá estou, acordo. Computador no ombro, contentor, calçar botas. Lá fora o mundo, o meu mundo. Aquele a quem mais tempo dedico, a obra. Vou ver o que se passa, quem cá está, quem não está e devia ter vindo, depois e-mails, relatórios, mapas, controlos, planeamentos, obra. Que horas são? 19:30? Vou-me embora pah… Descalçar botas, sacudir as calças, computador no ombro. O porteiro já é outro. “Té manhã.” Semáforos e no rádio aquele programa. Às vezes fico na conversa deles, outras vezes mudo para onde passam música. Hoje vou a casa, à minha. Ponte, estrada, camiões de tomate, milhos e arrozes, vale e mais vale, ponte e Ponte. Saio do carro a respirar fundo. Computador no ombro, subir escadas. Já cheira a comida, será do vizinho? O que é que disse que queria para jantar. Ah, é isso! Hmm, a minha boca um oásis. Abro a porta, cheira bem, e não é a comida, és tu. A minha fome outra de repente e eu todo um oásis. Hmm… Depois do jantar a loiça, um pouco de sofá e a cama, a nossa. O beijo de boa noite cerra o dia. Hoje vou dormir bem, penso enquanto me viro de barriga para baixo.

terça-feira, maio 04, 2010

Fotos jantar do dia U

Passados quase dois meses, lá arranjei um tempinho para postar aqui mais umas fotos gentilmente enviadas pelo Rodney.


A bela da mini...


Companheiros, amigos, palhaços...



Garganêros

Malta do hip hop...

E pronto, a ver se pró ano há mais. Haja saúde! Ultras!

sexta-feira, março 26, 2010

Jantar do dia U


Gostaria de ter mais fotografias desta efeméride fabulosa, da qual só consigo aproveitar esta aqui em cima. Como tal, solicito que me enviem por e-mail as que tiverem para que possamos ilustrar a festa.

Sobre o jantar, queria só registar que foi batido o recorde de presenças com 16 Ultras (acho eu...). De resto, não há palavras que cheguem para descrever, vou deixar só algumas: companheirismo, Zé do caçador Príncipe, entusiasmo, gamba, alegria, percebe, inspiração, Sagres, exultação, sapateira, gáudio, ginja, parvoeira, João dos Calos, amizade, devoção, Espaço, tontaria, Primo Xico, loucura, Koppus, bebedeira, cama. Foram só algumas de enxurrada… Serão certamente infinitas, portanto quem fizer questão, aceitam-se sugestões.

U?!

quinta-feira, março 11, 2010

Onze do três

Hoje é dia 11/03, é dia U.
Parabéns a nós por mais este aniversário!
Apelo à revisita do post sobre o jantar do ano passado:
Foi fantástico. Quem não se lembra da passagem pelo João dos Calos ou a mini no Zé do Caçador... "Tenho 53 anos, mas mando saltos pareço um macaco..." Enfim, há que seguir em frente. Sei que há movimentos no sentido da realização do jantar no dia 19/3, portanto aproveito este veículo para lançar o desafio a quem se sinta U para comparecer. Será, como de costume, no sítio do costume...
Ultras!?

quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Eu, só pensamos em nós…




Eu, deixa-me contar agora a minha história, a minha. Sim, já ouvi a tua, sim, registei aqui neste papelinho amarelo que colei com cuspo no móvel empoeirado da minha mente. Agora ouve lá, porque eu... Eu tenho que te dizer que a mim é que me aconteceu tal coisa assim-assim. Registaste? Ah, colaste com cuspo na memória disponível, a pouca disponível para mim. Sim, compreendo, como compreendo... Deixa estar, eu vou poder sempre contar-te outra vez o que me aconteceu, sim, o que aconteceu a este Eu, a este que vês. O quê? Achas que já ouviste isto que digo antes? Sim, é normal... Espera lá, se calhar conto outra vez, podes já ter esquecido aquele pormenor que te faz soltar sempre aquela gargalhada tão espontânea como a minha expressão de surpresa ao ouvir a tua história. Já percebi, não queres ouvir, não te interessa, não me digas! Interessa-te tanto como a tua história a mim? Isso é pouco ou nada... Mas eu, a mim é que. Porque fiz e aconteci e depois voltei a acontecer e fazer, eu. Desculpa, tinha que contar, registaste? Não? Tudo bem, pede mais uma cerveja e vamos ser felizes enquanto nos aborrecemos. Competimos a ver quem aborrece mais quem. Eu, a mim e tu interrompes e dizes, mas não queiras saber, eu... E ficamos assim a ouvir-nos só a nós mesmos, mas com público, o publico és tu e sou eu, a pensar em mim e a falar de mim e tu a pensares e falares em ti. Se o bar não fechasse e as cervejas não deixassem de aparecer à nossa frente a determinada altura, por quanto tempo mais poderíamos estar neste jogo de "ouve lá agora o que eu digo"? Podia ser preocupante, acabavam-se os post-its e a saliva para os colar, o shuffle das histórias podia falhar e a repetição tomava conta de mim e de ti e aborrecer-nos-íamos tanto, mas tanto, que ficávamos irremediavelmente surdos, falaríamos ao mesmo tempo e empolgadamente íamos aumentando o tom de voz de tal forma que a perderíamos, a voz. Mas ainda assim continuávamos a mexer os lábios, porque não ouvíamos nem percebíamos que estávamos sem voz e tínhamos mesmo que contar só mais aquela história sobre Eu. Não! Pára! O bar vai fechar, estamos salvos. Até amanhã, amanhã não me vou lembrar do que me contaste, que pena... Espera, encontramo-nos amanhã e contas-me outra vez, ok? É que eu, a mim também me aconteceu sei lá o quê e amanhã conto-te tudo. Vou para casa e penso nele e nas histórias que ele contou, mas as minhas, eu, eu é que, eu, eu, eu...
18/04/2006

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Quando me falaste dessa ponte...


Lembro-me dos sítios onde escrevi, quando gostei do que escrevi. Espero que me lembre deste quarto e desta cama, com esta colcha que me acompanha e que é boa. Gosto dela.
Quando me falaste nessa ponte… Quando foi mesmo? Desconfiei dela. Pois foi, lembro-me agora. Aquela não era uma manhã para acreditar nessas coisas. Havia sol, uma brisa suave tocava-te o cabelo e havia reflexos de âmbar na tua face. A claridade levava-te a franzir a testa e com os olhos semicerrados, falaste-me nessa ponte. Um misto de entusiasmo e mistério envolviam as palavras que ventilavas sussurrando. Mas aquela não era manhã para acreditar nessas coisas. Prendia-me mais facilmente na dança dos teus lábios, vendo-os articular descobrindo às vezes os dentes, do que no que descrevias. Aquela manhã não era manhã para acreditar nessas coisas. Bebeste o café num trago, parecias agitada. Nem desconfiaste que desconfiava do que me contavas. Nem desconfiaste quando aproveitei para te pegar na mão com a desculpa da reclamação da conta para mim e demorei os meus dedos na tua pele o quanto pude. Essa não era uma boa manhã para acreditar nessas coisas. A culpa não era do sol de Inverno, a culpa era dos teus lábios secos onde de vez em quando um cabelo e tu a afastá-lo com a mão. A culpa era dos teus olhos que às vezes cegavam os meus quando os encontravam. Desviava-os como quando fixamos o sol e já não aguentamos mais.
A história tinha espectros e anjos, acho que tinha criaturas e dimensões que não as nossas, tinha, parece-me, rios de vinho e árvores de ferro enferrujado, que não sabias como, mas aguentavam flores também de ferro. A história era de uma ponte para um imaginário que talvez fosse só teu. Mas aquela manhã… Sei a cor da tua camisola de gola alta, não sei dizer qual era, mas sei a cor que era. Se a visse agora, sabia. E tinhas aqueles brincos que disseste para te comprar no Natal, que estavam na montra daquela loja. Nunca tive coragem para te escolher um presente. Ou nunca arrisquei falhar nessa tarefa e desistia quando perguntava: “O que queres que te dê?” Tu, desapontada, mas compreensiva dizias por exemplo: “Estão uns brincos na montra daquela loja.” Os brincos eram bijutaria, mas eram um arco tão perfeito que parece que podia escorregar neles e segredar-te ao ouvido: “Não descrevas mais os restos de madeira da tosca ponte mágica com que sonhaste, ou que atravessaste mesmo, não quero saber como era! Diz-me antes que ainda me amas, que essa é só a tua realidade.” Como a realidade do poeta que lia poetas místicos e dizia por fim que as flores e as árvores existiam para existir, simplesmente. Aquela não era uma manhã para acreditar nessas coisas.
A história tinha aves de papel colorido que assobiavam colcheias e outras formas musicais e que esvoaçavam tipo as andorinhas. Dizias: “Tipo as andorinhas, muito ágeis e rápidas, percebes?” E eu: “Sim, percebo, mas e que cores tinham?” Não me interessavam mais cores que não o castanho dos teus olhos e o castanho do teu cabelo, ou mesmo a da blusa de gola alta que me lembro qual era mas não sei dizer agora. Só queria continuar a perder-me na dança dos teus lábios e na sinfonia do teu sussurro. E encorajava-te a descrever o que tinhas visto ao atravessar a ponte. Não me lembro bem, mas julgo que a descreveste pequena e tosca, como se feita para passar de uma só vez. Um amontoado imperfeito de paus imperfeitos de origens diversas. Era? Não sei, mas as tuas mãos tremiam um pouco. Talvez de frio, aquela esplanada aquecida pelo sol de Inverno era bafejada às vezes por aquela brisa que levavam os teus cabelos aos teus lábios e tu a tirá-los, maneando a cabeça ao mesmo tempo que a mão e… A ponte já não sei, aquela não era uma manhã para acreditar nessas coisas.
Queria que voltasses de lá e atravessasses no sentido da margem onde eu te esperava. Queria ter entrado contigo nessa realidade, fazer parte da tua história. Mesmo que com o corpo de papel colorido, a assobiar colcheias e a voar como as andorinhas. Podia ser. Assim talvez… Mas aquela manhã… Queria antes a realidade daquele rio e daquela ponte perto daquela esplanada onde a tua blusa e os teus brincos, os teus lábios com o cabelo e tu. E eu a tocar-te na mão como quem te chama para a realidade. “Ainda me amas?” era o que queria perguntar em vez de: E que cores tinham, os pássaros de papel que assobiavam colcheias e voavam como as andorinhas?”
Gosto desta colcha, espero lembrar-me dela…
FOTOS DE RICARDO CRUZ

quinta-feira, outubro 15, 2009

Cinco esboços…
Havia tanto que queria escrever e falta-me tempo. Esse mesmo, inimigo da eternidade, que se vai expirando tanto mais rapidamente quanto empenhados somos a tentar aproveitá-lo. Acontece-me às vezes chegar à noite e olhar para o dia que passou com frustração… Mais um dia em que não fiz nada, não ouvi música, não toquei, não fui a um concerto, não escrevi, não discuti nada com ninguém, não vi sequer um filme… Não fiz nada, fiz umas coisas, produzi PIB, mas não fiz nada daquelas coisas capazes de travar a cavalgada do tempo. Amanhã tenho isto e aquilo para fazer e não me posso esquecer de tal coisa assim assim… Betonar, betonar!!!
Depois desta introdução a cheirar a desculpa esfarrapada, queria então deixar aqui uns esboços do que podiam ter sido textos se eu tivesse tido tempo/paciência/disposição/não desperdiçasse tempo a ver a novela/achasse que era capaz de os escrever, no limite. Então cá vai:

1. Cuba Libre?
O “all inclueded” que a pulseira de plástico possibilita, as águas quentes e cristalinas em paisagens com palmeiras e coqueiros, os constantes cocktails e as lagostas grelhadas acontecem em muitos lugares anunciados por agências de viagens vendedoras de sonhos, férias perfeitas, evasão, divertimento, excitação e tantos outros vocábulos utilizados em panfletos apelativos… Mas ir a Cuba é mais do que isso tudo. (Como se isso tudo não fosse já muito bom…)
Apregoam-se diferenças sociais enormes em vários países, vivem-se tempos em que o consumismo ocidental desacelera timidamente, embora não me parece que vá ser essa a tendência no futuro. Em Cuba odeia-se e inveja-se o consumismo ocidental. Em Cuba adora-se e detesta-se o regime. Em Cuba não falta nada a ninguém, mas ninguém tem nada. É toda uma tentativa de equilíbrio disfarçado, pintado de casas velhas, carros antigos e fumegantes e música dedilhada.
Fui a Cuba e não vi Fidel, assim como hei-de ir Roma sem ver o papa, nem sequer questão faço... Mas em Cuba vi Buena Vista Social Club, que já é muito! Assim como já tinha visto, não o Barack, mas Count Basie, no Blue Note… (Gabarolas?! Não, orgulhoso!)
2. @belem.pt
Deve ser a primeira vez que venho aqui falar de política. Política que é como quem diz aquilo que supostamente fazem uns senhores de gravata no tão bem emadeirado meio círculo. Venho indignar-me! Então o presidente, que eu pensava que existia para por água em fervuras de cozinhados acres feitos de hábeis retóricas, vem agora ele próprio incluir especiarias fétidas num dos, já por si, menos conseguidos cozinhados políticos dos últimos tempos? Porquê?
Esta minha infeliz analogia culinária e a sua complicada ou impossível interpretação é proporcional à confusão instalada na minha pobre cabecita de contribuinte médio, atónito e incapaz de perceber o que é que se passou afinal. Mas foram escutas ou e-mails violados? Ou foram bufos metamorfoseados em moscas que, em voos rasantes à cabeça do Anibal, captaram ondas sonoras que eram informações de estado? Isto enquanto os seus mil olhos iam reflectindo o iogurte com aroma de banana que Dona Maria tomava para o lanche. Quem é que ainda nunca disse: “gostava mesmo de ser uma mosca…”?
3. Legislativas e Autárquicas
Deve ser a primeira vez que venho aqui falar de política. Espera, é a segunda!
O Sócrates não tinha oposição, o Pinto muito menos. Mais do mesmo. É perfeitamente normal… Pessoalmente, não faço comentários, pois embora só tenha dois ou três leitores, não gosto de me manifestar no que toca a política. "Então se não fazes comentários, para quê a alusão?" Perguntam os dois ou três leitores. Porque aqui mando eu e faço o que quiser! E digo mais, se querem ver política discutida de forma séria e idónea vão a um blogue que eu cá sei. Ou vão à merda, que é quase a mesma coisa…
4. Noite da relva
Não interessa como, quem, nem por quê. Queria apenas tentar fotografar um momento vivido numa das últimas noites de um sábado.
Houve licores entrelaçados em brumas que pareciam pedaços de madrugada, houve notas ao lado e notas quase no tom em cordas e palhetas vibrantes. Houve ruídos elevados a frases de jazz e grunge por quem se envolvia e se deixava fundir numa embriaguez colectiva, salpicada de realidade por tons de azul. Insuficientes porém, para impedir a levitação daquele inebriamento que se partilhava. Naquele momento sim, o tempo parou, embora a noite se tenha esfumado num instante...
5. Futsal
Aproveito só para assinalar que, pela primeira vez, o EFC se encontra no lugar cimeiro da classificação no campeonato nacional da 3ª divisão nacional, série C. (Embora ainda só tenha havido um jogo, ehehe). Sobre a taça de Portugal, não sei de nada…

domingo, outubro 11, 2009

quarta-feira, setembro 09, 2009

Spam, pah!!!

Era mais uma daquelas viagens madrugadoras com destino a Lisboa. O sol brilhava e ia-me encandeando docemente ao reflectir-se nas águas da barragem de Montargil. Adivinhava mais um dia comprido, com reuniões, decisões, chefes, subempreiteiros, donos de obra e demais intervenientes. Perdia-me em planeamentos e métodos construtivos e apenas o som da rádio me desviava a atenção de quando em vez. Acontece-me há uns anos, tantos quantos trabalho, que não são assim tantos (ainda bem), viajar de manhã e ter como companhia além dos meus devaneios, introspecções e quantidades absurdas de sono, os radialistas da antena 3, a emissora jovem nacional… As manhã da 3, programa a que me refiro mais especificamente, tem a virtude de me manter acordado muitas vezes, mas sobretudo de me fazer sorrir, rir (talvez até fazer figuras menos escorreitas aos olhos do gajo no carro da fila ao lado) e o dom incrível de diminuir os aborrecidos tempos de viagem.
Desta vez, à semelhança de umas tantas outras, peguei no telemóvel e tentei sem esperança participar no programa “pontapés na gramática”. Para surpresa minha, ao invés do esperado sinal de interrompido, o som foi o correspondente a uma chamada bem sucedida. De pronto fui atendido por uma simpática voz feminina… Encostei o carro ali depois da ponte do Rasquete e fui avisado, depois de revelar nome e origem geográfica, de que ia entrar em directo para participar no programa. Ok, não é nada de extraordinário: é só ouvir um diálogo e identificar uma imprecisão gramatical ou qualquer coisa do género. Ainda assim, não deixei de ficar algo ansioso e fui antecipando respostas cliché a perguntas do mesmo género, naturalmente inevitáveis na estética do programa… Ia encontrar na linha, aqueles que normalmente só me chegam via onda rádio espalhada pelo éter: o Luis Oliveira e a Joana Dias. Dois radialistas bem-dispostos, com estilos diferentes, ele mais cáustico, mais irónico, mas com muita piada. Ela mais naive, mais simpática, compreensiva. Ficam bem um ao outro, gosto da combinação, completam-se… Enfim, voltando ao episódio: sou anunciado, “Para jogar hoje connosco temos o Rogério Alves, que nos liga de Ponte de Sor. Bom dia Rogério.” Começou por dizer a Joana, na sua voz doce, límpida e adivinhar um sorriso no rosto. Respondi com todo o entusiasmo que a minha timidez oral permitiu: “Bom dia!” “És do lado de dá ou do lado de lá da ponte?” Esta ninguém antecipa. “Uhm, ehh, do lado de cá acho eu…” “Mas há uma ponte, ou não?” “Uhh, sim, a ponte sobre o rio Sor. “Ó Rogério, tens o nome de um famoso…” Interrompe o Luis. Esta até antecipei. “Sim, mas não tenho nada a ver com ele…” “Nem na cor?” “Muito menos na cor, sou mais para o vermelho. Verde, só o do Eléctrico de Ponte de Sor” Apontamento que me apresentou definitivamente, a puxar ao bairrismo, a assumir o benfiquismo à nação… Eheh, toma!
Depois da introdução, engraçada por sinal, chegou a hora de ouvir o diálogo… Tinha que identificar um estrangeirismo. O diálogo não foi dos mais felizes, já nem me lembro bem, mas a expressão xixi cocó foi utilizada abundantemente, o que por si só não abona a favor da composição… Mas enfim, a certa altura lá ouvi uma palavra estranha. Mas, não sei se foi pelo contexto no qual enquadrei o exageradamente adornado diálogo, percebi-a mal. “Epah, não estou a perceber… Parece-me stand, ou stunt, ou stant, não conheço este estrangeirismo.” Disse timidamente à procura de misericórdia. Entretanto ia pensando: “Porra, que na única vez em que consigo jogar vou-me espalhar ao comprido, que vergonha…” “Então ouve lá outra vez”, disse a benevolente Joana. Voltei a não perceber, “Ehh, uhh, pois… Deixa de me fazer… Stant? Não conheço, será perseguição ou assim, pelo contexto…” “Não, sabes aquelas mensagens no e-mail…” Foi então que um daqueles raios de luz reflectidos pelo espelho de água me acertou finalmente na mona e percebi. Interrompi gloriosamente: “Ahh! Spam. S-P-A-M. Spam!” tarara-ra-tarammm, ouviu-se a musiquinha a assinalar vitória. “Acabaste de ganhar o livro Rebeldes da não-me-lembro-o-nome-da autora-agora!” “Ok, obrigado. Queria só aproveitar para enviar muitos cumprimentos…” Muitos?! Quantos?” Interrompe o Luis, num tom jocoso. “Epah, pelo menos dois, para vocês. Um para o Markl, de quem sou fã. E para o pessoal todo aí. Vocês têm sido uma boa companhia nas minhas viagens pela manhã já há algum tempo…” ”Obrigada. E viajas muito?” “Sim, ando sempre fora de casa em trabalho.” E o que é que fazes?” Lá revelei a profissão e que já tinha estado no Algarve, Leiria e agora Lisboa. “Pois, és um nómada dos tempos modernos.” Concluiu o Luis acertadamente.””Pois”, respondi a suspirar. “Olha, então beijinhos, boa viagem.”Rematou a Joana. Respondi: “beijinhos e abraços…” Continuei então a jornada até mais um dia de lavoura: reuniões, decisões, chefes, subempreiteiros, donos de obra e demais intervenientes…
Foi um episódio engraçado, como giro foi também chegar à obra e o fiscal me dizer: “Epah, agora já és famoso, até falas pá rádio…” E eu tudo bem…

terça-feira, setembro 08, 2009

LISBOA, por entre as sombras e o lixo



Lisboa, Cais do Sodré:
Quando chega a noite
Com suas caras fugidias,
Olhos dilatados pelo assombro
Deixamos que a cidade nos invada,
Fantasma a embriagar-nos de luz e côr
Num sonho de mil e uma fantasias,
O desejo cruzando os neons
Em projecções plásticas...

O dealer roubou-me,
Levou-me a alma!
Rai's parta o dealer!

E se depois, ao acordarmos,
Acaso reparamos na escuridão que nos cerca,
No leve restolhar que vem do lúgubre canto,
Somos tomados por uma enorme letargia
Que nos deixa permeáveis
Ao frio da madrugada.
É então que as ratazanas,
Abandonando as trevas,
Ficam estáticas, silenciosas,
A verem-nos ir, equilibrando o passo,
Por entre as sombras e o lixo...

O dealer roubou-me,
Levou-me a alma!
Rai's parta o dealer!

Táxi!Casal Ventoso, se faz favor!


Adolfo Luxuria Canibal/ Carlos Fortes

terça-feira, setembro 01, 2009

De volta a Lisboa


As vicissitudes da vida laboral trazem-me de volta a Lisboa. Lisboa tem acontecido em mim de várias maneiras: desde a cidade enorme, visitada muito raramente em que as “guas” (gruas) e os semáforos eram o principal ponto de interesse e admiração, passando pela cidade enorme da qual o mapa mental surgia muito desfocado, na altura em que o jovem de 18 anos da província, inchado de moral, chegou para ser estudante e depressa se viu pequenino, insignificante e aprendeu a olhar por cima do ombro, a desconfiar. Mas onde cresceu também, onde se começou a projectar o homem (projectar - que adequado, mais um pouco e estou a utilizar vocábulos tipo alicerces ou fundações…). Nos anos de estudante fui aprendendo, para além das matérias, Lisboa. Fui aprendendo Lisboa. Inicialmente desconfortável e fria, suja e claustrofóbica, foi-se revelando com o passar dos anos cada vez mais maravilhosa e excitante. À medida que as descobertas aconteciam ia-me apaixonando por ela sem saber. Ainda eu verbalizava que não gostava de Lisboa e já gostava dela sem saber, contrariando-me. Depois, a vida nómada que iniciei quando abracei a profissão que me tem, levou-me de Lisboa sem que tivesse tido sequer tempo de me despedir. Abruptamente desci a A2 sem olhar para trás e só cá voltei esporadicamente, desde então.
Agora estou de volta e vejo-a de outra maneira… Por enquanto ainda é a nostalgia que me domina à passagem por certos locais onde, nos melhores tempos da existência dita normal, segundo dizem, passei, passeei, estudei, joguei, namorei, corri, bebi, vi, escutei, observei, admirei, cheirei, senti, enfim, vivi. É com um estúpido sorriso nos lábios que vou passando por onde passava distraído antes, com um objectivo, com um lugar para estar, onde alguém me esperava, onde algo acontecia, onde tinha que ir, fazendo agora o caminho a observar em vez de ver, a observar o que antes via apenas… (to be continued?)

terça-feira, julho 21, 2009

Miradouro de Luz

Outro dia passei pela Graça e por coincidência, dias depois estava a discutir este poema. Como tem estado tão presente, fui buscá-lo à gaveta:

O alinhamento descuidadamente perfeito
Dos lares que jazem na luz nacarada
Reclusa ocasional dos olhos ébrios
Do transeunte que desliza satisfeito;

O brilho adivinhado de um rio,
Um caudal de preces e promessas
Rasgado pela frieza distinta do aço,
Enquanto a figura promete um abraço;
Um castelo iluminado à força
Com a luz de glórias de outrora,
Com lampiões sujos de agora
Que reclamam o trono ao astro;
O astro encoberto sem estranheza,
Saudosa a sua calorosa frieza
Aquece, ilumina e exalta
Doutrina que à noite não faz falta.

terça-feira, junho 02, 2009

Nha terra Santo Antão...

"És de Pico Vermelho ou de Tope Agudo?" Perguntou o pai à mãe do escritor maliciosamente, na noite em que o conceberam. Explica depois na introdução à sua obra, que Pico Vermelho e Tope Agudo são nomes de localidades da ilha de Santo Antão, mas também podem ser referências a uma zona muito particular da anatomia feminina. A mãe acabou por perceber o trocadilho um pouco mais tarde nessa noite, sem que fosse preciso gastar muito crioulo.
No prólogo, a viagem no barco de São Vicente a Santo Antão é descrita com mestria, habilidade literária e sobretudo com um natural conhecimento de cada vislumbre. O meio de comunicação de Santo Antão com o mundo é o ferry boat, interface de troca das fracas produções agrícolas da ilha com os produtos que chegam de S. Vicente e do estrangeiro…. “Apesar do mau tempo a viagem estava a decorrer sem incidentes mas não estava sendo nada agradável. No seu esforço para vencer a fúria do vento e navegar em linha recta o barco enterrava constantemente a proa nas vagas tumultuosas e quando a levantava toda a sua estrutura protestava ruidosamente. Era a sua primeira viagem daquele sábado e estava completamente cheio. São Vicente retribuía a generosidade de Santo Antão enviando-lhe em troca do grogue e das verduras que recebia artigos importados do estrangeiro ou confeccionados ali mesmo na ilha.”in A Outra Face da Lei, Nicolau de Tope Vermelho.


A nossa travessia, felizmente, foi muito menos turbulenta, apresentando-se o mar de canal excepcionalmente calmo. Entre a comitiva havia ainda resquícios de uma noite mal dormida, do cansaço da viagem anterior e a presença de álcool, em alguns sistemas sanguíneos, era ainda evidente e amplificada pelo bambolear do “Armas” no azul límpido das ondas crioulas. Tanto a excitação como a ansiedade estavam a ser vencidas pelo cansaço, mas a calorosa recepção no cais e a entrada no pitoresco autocarro Toyota serviu de despertador começando a fazer-se notar os mais entusiasmados: “Uma Vergonha, vocês são uma vergonha” – era o cântico que se dedicava aos que tiveram dificuldade em acordar e quase nos fizeram perder o barco (não vou revelar identidades) …
Foi sobretudo quando a viatura iniciou a viagem que nos levaria de Porto Novo a Ponta do Sol, que começou a verdadeira descoberta, a verdadeira lição de vida que, sem que suspeitássemos, ali fomos experienciar. O primeiro deslumbramento foi a paisagem, iniciámos a subida da primeira montanha e rapidamente as máquinas fotográficas foram desembainhadas como espadas num campo de batalha, na vã tentativa de apreender a beleza dos quadros que se desenhavam à nossa frente em catadupa: de um lado era o mar lá em baixo, que banhava a montanha negra e a pequena povoação de casas toscas, inacabadas, do outro eram as escarpas e os vales que se iam tornando cada vez mais impressionantes de tão íngremes e aguçados. Seguíamos por estradas que eram serpentes de lava, como que escorrendo organicamente pelas montanhas. O pequeno autocarro parecia não ter dificuldades nas acentuadas subidas e a apertada estradinha de calçada feita pelo suor de militares portugueses há meio século, transmitia-nos um respeito cada vez maior à medida que íamos subindo e olhando lá em baixos os profundos vales. As curvas apertadas e a ravina já aqui… Enfim, já havia quem não estivesse a achar muita piada, mas a destreza do condutor era assinalável. Passados uns altos e baixos percebemos que estávamos em boas mãos e, então, sem receio, pudemos desfrutar cada quimera. Observámos as montanhas, ora em andamento, ora em paragens em locais estratégicos que se afiguravam como miradouros dignos de reconhecimento mundial por uma entidade qualquer tipo UNESCO… As sinuosas montanhas negras pareciam assombradas, tinham farpas de nuvens ao seu redor e eram pontualmente organizadas em socalcos feitos pela mão humana, de onde se erguiam timidamente alguns pés de cana-de-açúcar. Os rasgos feitos pelas ribeiras agora secas, desenham vales fundíssimos e eram interrompidas por imensos diques ao longo dos seus leitos. Chove tão pouco, que é preciso aproveitar cada gota de água! De quando em vez percebe-se o desenho das enormes crateras do que foi um vulcão ao qual se agradece a origem destas terras. A origem vulcânica da ilha transparece em cada uma das esculturais formações geológicas que se identificam. Há para todos os gostos e de todos feitios, numa entropia quase surrealista. Enfim, foi neste maravilhamento colectivo que surgiu a expressão: “Opah isto é o quê? Isto é lindo!”, repetida depois até à exaustão, como é apanágio de certos indivíduos muito engraçados da nossa comitiva… (Pessoa, Serrano e outros palhacitos que tais)



Depois de bebida a beleza paisagística, foi a vez de começar a entender a realidade da ilha e das suas gentes. A percepção da escassez e das condições extremas em que vivem, aliás, sobrevivem, os habitantes do interior da ilha, chegou quando se começaram a observar conjuntos de duas ou três casas, ou habitações, melhor dizendo, em locais praticamente inacessíveis ao comum mortal, em picos de montanha, ou em escarpas abruptas em que de facto habitavam pessoas e animais, sobretudo burros e galinhas. Têm nas imediações dois ou três socalcos roubados à força à montanha, onde cultivam escassos pés de cana-de-açúcar… A pergunta surgia-nos e alguns chegavam a ventilá-la: “Mas como é que esta gente aqui vive? Vivem do quê? Fazem o quê?” O Carlitos vinha ao meu lado no autocarro e muito espontaneamente produz o seguinte pensamento: “Epah, a gente inda diz que tá mal… Lá temos: televisões, playstations, cafés com snoockers e este pessoal aqui sem nada, man…” E acho que está tudo dito!

Após uma breve passagem por Ribeira Grande e de um serpenteio desta vez à beira mar chegámos finalmente a Ponta do Sol. A simpática vila recebeu-nos soalheira com a sua praceta central tão limpinha, o edifício da Câmara de traço colonial e a pequena igreja de costas para o mar. Logo ali, o hotel Blue Bell, que viria a ser a nossa casa nos dias seguintes. Instalámo-nos e ansiosamente nos despenhámos pela vila fora. O que encontrámos foi uma curiosa desorganização de casas por acabar e de calçadas toscas, numa tranquilidade que fazia sentido ali, no sopé da enorme e ubíqua montanha. Ah e uma loja chinesa, “Porra que até aqui!” exclamou-se… Fomos imediatamente conhecer o estádio que íamos inaugurar, as obras ainda decorriam e a azáfama era grande, mas os nossos adversários já se treinavam no relvado.

À medida que nos íamos embrenhando pela vila, percebíamos que a nossa presença não deixava ninguém indiferente. As pessoas iam olhando timidamente e as crianças rapidamente nos começaram a abordar sem receio. Não seria possível melhor recepção… Em nenhum momento houve entre nós qualquer tipo de sensação de desconforto ou insegurança. Depressa compreendemos a humildade e até por vezes ingenuidade daquelas pessoas, que nitidamente mostravam felicidade pela nossa simples presença ali. Não estávamos de todo à espera de uma coisa assim, sentíamos que significávamos mais do que o que somos…



A pluralidade, digamos assim, do nosso grupo, composto por malta do futsal, os mais velhos, três torres do futebol de 2ª divisão e os juniores também do futebol, começava a não se perceber, pois rapidamente começou a reinar um ambiente e um espírito de partilha semelhante a uma verdadeira equipa. Talvez os ares do equador tenham tido alguma influência, mas a realidade é que havia completos desconhecidos à partida, que passados dois dias se comportavam como amigos de longa data. Mesmo com a restante comitiva, desde a equipa técnica e directores, aos representantes do município e freguesias do concelho, a convivência foi sempre salutar, descontraída e até fraterna.

Até ao dia do jogo, Sábado, houve ainda tempo para mais uma incursão de autocarro pela ilha, desta vez para conhecer uns vales mais frondosos do que a generalidade da paisagem. Conhecemos também a vila de Broda, um velho amigo de Ponte de Sor e da sua Câmara Municipal, a quem ele agradece a moderna cadeira de rodas com que se faz deslocar pelas calçadas. De resto, ia-se notando pontualmente as marcas da geminação do nosso município com aquele (Ribeira Grande), em ambulâncias e carrinhas lia-se: “Geminação com o Município de Ponte de Sor”. Soubemos mais tarde pelo Pedrinho, aluno da escola primária de Ponta do Sol e que quer ser engenheiro informático, que os computadores onde dá os primeiros passos nessa matéria foram oferecidos por Ponte de Sor. Ficámos orgulhosos por saber que contribuímos para melhorar um pouco a qualidade de vida daquelas pessoas. Pelos caminhos entoavam-se alguns cânticos de “apoio” sobretudo a Django: “1,2,3,4,5,6,7 com o Django ninguém se mete” e os “pratos” da equipa soltavam as suas piadas. Ao pé de certos cromos é sempre a rir, nem são pratos, são travessas. Eheheh! Alguns ainda conseguiram ir a uma praia próxima, mas de muito difícil acesso, outros mergulharam com os nativos do pontão do pequeno porto de Ponta do Sol e jogaram futebol num improvisado campo de areia negra, para gáudio das crianças com quem partilharam chutos e fintas, cuecas e cabritos…




Quando o dia do jogo amanheceu já todos havíamos percebido que não tínhamos vindo apenas fazer turismo. A dimensão que o evento encerrava tinha-nos escapado inicialmente, mas afinal o assunto era sério, estávamos a participar numa cerimónia de estado. Para aquele país, para aquela região, para toda aquela ilha, a nossa presença ali, na inauguração de um relvado sintético, era muito importante. O jogo era publicitado nas rádios, havia rumores de até ser transmitido na televisão local e nas redondezas não se falava noutra coisa. Toda a ilha parou para assistir à cerimónia de inauguração do arrelvamento do Estádio Municipal João Serra. A selecção da ilha de Santo Antão já se treinava há duas semanas (dois treinos por dia!) para receber o Eléctrico Futebol Clube de Ponte de Sor, Portugal!
No curto trajecto do hotel até ao estádio sentíamo-nos “Cristianos Ronaldos”, tal era a agitação à nossa volta. A vila estava cheia de pessoas e junto ao estádio era um verdadeiro mar de gente. Era ocasião para dizer: “Isto é o quê, pah? Isto é lindo!”

A cerimónia começou com pompa e circunstância, desde ministros ao bispo, os presidentes das Câmaras da ilha, o nosso presidente da Câmara, todos discursaram e trocaram presentes simbólicos. Nas bancadas repletas e nas imediações das mesmas estimava-se a presença de 3000 espectadores. A tarde estava soalheira e parecia que tudo brilhava, com destaque para o relvado sintético que tanto enchia de orgulho o Eng.º Orlando, presidente da Câmara local e nosso anfitrião principal. Desenrolaram-se curtos jogos das camadas mais jovens de onde se destaca o golo de Alex, o puto que já nos tinha maravilhado no jogo de rua que tínhamos feito com ele e os seus colegas. Entre nós ia crescendo a ansiedade de iniciar a partida e um nervoso miudinho ia fazendo comichão em alguns estômagos… Não se vivem dias como aquele muitas vezes, nem tão pouco oportunidades destas surgem frequentemente. Afinal de contas era o primeiro jogo internacional do Eléctrico, as bancadas estavam repletas de gente e a transmissão televisiva sempre se verificava. Tudo isso nos fazia sentir ao mesmo tempo pequenos e orgulhosos. Equipámo-nos e demos o grito de guerra com uma emoção especial. Entrámos em campo ao ritmo do chamamento dos nossos nomes um por um aos microfones da instalação sonora do estádio: “ Do Eléctrico de Ponte de Sor de Portugal, com o nº1: Sérgio, nº2: Pachá…” e assim sucessivamente. Com a equipa da casa aconteceu o mesmo com a diferença de que a ovação vinda das bancadas foi naturalmente maior. Perfilámos e ainda antes de começar o jogo fomos cumprimentados um por um, pelo presidente da Câmara local e pelo ministro da cultura e desporto de Cabo Verde. O pontapé de saída foi dado por Grunha, uma antiga estrela do futebol da ilha com a particularidade de nunca ter envergado umas botas de futebol durante a sua carreira. Assim, foi naturalmente descalço, com o seu pé direito calejado, que aplicou um pontapé na moderna e colorida bola de futebol. Eu e o capitão adversário acompanhámo-lo até sair de campo e finalmente ia começar a partida.

Em relação ao jogo em si não me queria alongar muito… O resultado final foi 3-1, sendo que marcámos primeiro, por Serrano, o nosso único goleador internacional (agora aturem-no!) e sofremos o empate ainda na primeira parte. Na segunda parte quebramos fisicamente. Através da cobrança de uma grande penalidade, os da ilha chegaram ao 2-1 e já no final a vantagem foi dilatada para 3-1. De referir a excelente e até surpreendente qualidade de alguns jogadores adversários, mas sobretudo a enorme capacidade física de todos, onde residiu, a meu ver, a grande diferença para a nossa equipa. No Eléctrico, destaques para as exibições de Panqueca e sobretudo de Pachá. A importância do jogo para a ilha de Santo Antão e para a sua selecção foi bem notória aquando dos festejos pela conquista do troféu, tanto por parte da equipa como do público. Quanto a nós… Fizemos a festa também, claro! Juntámo-nos aos mininos e era ver-nos a saltar abraçados a eles. E eles estupefactos, a adorarem nossa a reacção. Foi mais um belo episódio! Recebemos então as medalhas das mãos dos ilustres.
Depois era ver o Baleizão a ser entrevistado para a televisão e rádios, outros a falarem para a rádio, os putos todos a pedirem-nos os equipamentos, as botas, foi a loucura… A saída do estádio, já sem equipamentos, botas, caneleiras, foi escoltada pela polícia, não por uma questão de segurança, já que não houve nenhum registo de abuso de qualquer natureza (pediam tudo, mas sempre humildemente), mas por uma questão de haver espaço para fazermos o trajecto dos balneários até ao portão, tal era a quantidade de gente que ali estava. Descemos a rua até ao hotel e íamos comentando o que tínhamos acabado de viver. Estávamos ainda a saborear aqueles momentos, enquanto havia gente, sobretudo crianças que nos seguiam. Lembro-me de ver o Carlitos com dez miúdos à volta: “Carlitos, Carlitos, dá-me a camisola…” Podia ser a camisola, um aperto de mão ou um abraço, mas o que eles queriam mesmo era estarem ali junto de nós. E nós sem sermos as estrelas que eles mereciam que fossemos, mas a curtirmos cada segundo.



Depois do jogo jantou-se no hotel com a equipa adversária. Uma banda animava a malta e iam-se entornando as primeiras cervejas ouvindo mornas e funánás. Antes de começar houve ainda lugar a discursos: os presidentes da Câmara (os de lá e o de cá), o presidente o Eléctrico e os capitães de equipa. Aí é que a porca torceu o rabo… O bom do Roger a tremer enquanto tentava pôr em palavras um pouquinho do que a equipa tinha sentido naqueles dias. O objectivo não foi cumprido, o discurso saiu fraquinho. O que eu queria dizer era que tínhamos experienciado uma verdadeira lição de vida e que estávamos imensamente orgulhosos de ter representado a nossa terra e o nosso país, depois agradecia a oportunidade e dizia obrigado, ouvia as palmas e sentava-me, era só isso, tinha sido tão fácil... Mais tarde, depois do repasto foi diferente, cheios de confiança monopolizámos o palco e começamos a cantar umas modas, ora portuguesas (“Os meninos à volta da fogueira”), ora Cabo-verdianas (“Sodade, sodade, es nha terra Ponta do Sol…”), sempre bem acompanhados pela banda. Neste capítulo tenho que destacar a afinada participação de Mário Leitão, o surpreendente cantor galveense que já não largava o microfone. Estivemos bem! Saíram os jogadores adversários, entraram as miúdas do staff do estádio, para ensinar a malta a dançar as mornas. Alguns desenrascavam-se bem, outros nem tanto… Mais tarde na discoteca toda a gente deu um pezinho de dança e foram bebidos litros de ponche - grogue com mel e limão, acho eu - só sei que aquilo colava… Havia quem contabilizasse a quantidade de ponches, enquanto outros estavam interessados em dançar com o maior número de miúdas possível, enfim, foi uma folia bem engraçada! “Óh Nariná, ohhh Nariná…”“Ó puto, ó puto, depois tens que me arranjar essa foto….” Repetia o Pessoa para o Luis Carlos, enquanto este se assumia como o fotógrafo da noite.

O dia da partida chegou e foi com um brilhozinho nos olhos que, no nosso autocarro Toyota, fomos vendo Ponta do Sol pelo vidro de trás a ficar pequenina, ainda mais pequenina. Isto, claro, depois de termos tido uns quantos ”fãs” à porta do hotel a gritar “Eléctrico, Eléctrico”. Eram os nossos putos… No caminho até Porto Novo houve ainda lugar uma efeméride bem divertida. Passou na rádio a musica do Carlitos. Foi o delírio… “Alô, sou Carlitos, vim hoje da Roménia…” Os juniores assistiam mais uma vez espantados e por certo pensavam: “Quanto mais velhos piores…” E tinham razão!

O “Armas” já nos esperava no cais. O mar parecia mais agitado do que na vinda, com farrapos brancos levantados pelo vento, parecia que protestava a nossa partida da ilha. O sol reflectia-se no branco do barco e uma envolvência âmbar emprestava aquele momento algo de melancólico. O sentimento tão português, cantado em crioulo pela diva de São Nicolau, já parecia tomar conta de alguns olhares que se iam deixando perder num último vislumbre das montanhas.


Finalmente foi o Mindelo outra vez, menos puro, menos inocente, pagando a factura de já ser um centro urbano. E a viagem de volta, sem dormir, a dormir por aí, espalhados em cadeiras e pavimentos de aeroportos, a dormir no avião também. Lisboa já lá em baixo, cheia de sol a abraçar-nos de volta. Vínhamos diferentes, tínhamos aprendido, tínhamos crescido e por certo não iríamos ver a nossa realidade da mesma forma…



sexta-feira, maio 22, 2009

De Cabo Verde...

"És de Pico Vermelho ou de Tope Agudo?" Perguntou o pai à mãe do escritor maliciosamente, na noite em que o conceberam. Explica depois na introdução à sua obra, que Pico Vermelho e Tope Agudo são nomes de localidades da ilha de Santo Antão, mas também podem ser referências a uma zona muito particular da anatomia feminina. A mãe acabou por perceber o trocadilho um pouco mais tarde nessa noite, sem que fosse preciso gastar muito crioulo.