quarta-feira, setembro 09, 2009

Spam, pah!!!

Era mais uma daquelas viagens madrugadoras com destino a Lisboa. O sol brilhava e ia-me encandeando docemente ao reflectir-se nas águas da barragem de Montargil. Adivinhava mais um dia comprido, com reuniões, decisões, chefes, subempreiteiros, donos de obra e demais intervenientes. Perdia-me em planeamentos e métodos construtivos e apenas o som da rádio me desviava a atenção de quando em vez. Acontece-me há uns anos, tantos quantos trabalho, que não são assim tantos (ainda bem), viajar de manhã e ter como companhia além dos meus devaneios, introspecções e quantidades absurdas de sono, os radialistas da antena 3, a emissora jovem nacional… As manhã da 3, programa a que me refiro mais especificamente, tem a virtude de me manter acordado muitas vezes, mas sobretudo de me fazer sorrir, rir (talvez até fazer figuras menos escorreitas aos olhos do gajo no carro da fila ao lado) e o dom incrível de diminuir os aborrecidos tempos de viagem.
Desta vez, à semelhança de umas tantas outras, peguei no telemóvel e tentei sem esperança participar no programa “pontapés na gramática”. Para surpresa minha, ao invés do esperado sinal de interrompido, o som foi o correspondente a uma chamada bem sucedida. De pronto fui atendido por uma simpática voz feminina… Encostei o carro ali depois da ponte do Rasquete e fui avisado, depois de revelar nome e origem geográfica, de que ia entrar em directo para participar no programa. Ok, não é nada de extraordinário: é só ouvir um diálogo e identificar uma imprecisão gramatical ou qualquer coisa do género. Ainda assim, não deixei de ficar algo ansioso e fui antecipando respostas cliché a perguntas do mesmo género, naturalmente inevitáveis na estética do programa… Ia encontrar na linha, aqueles que normalmente só me chegam via onda rádio espalhada pelo éter: o Luis Oliveira e a Joana Dias. Dois radialistas bem-dispostos, com estilos diferentes, ele mais cáustico, mais irónico, mas com muita piada. Ela mais naive, mais simpática, compreensiva. Ficam bem um ao outro, gosto da combinação, completam-se… Enfim, voltando ao episódio: sou anunciado, “Para jogar hoje connosco temos o Rogério Alves, que nos liga de Ponte de Sor. Bom dia Rogério.” Começou por dizer a Joana, na sua voz doce, límpida e adivinhar um sorriso no rosto. Respondi com todo o entusiasmo que a minha timidez oral permitiu: “Bom dia!” “És do lado de dá ou do lado de lá da ponte?” Esta ninguém antecipa. “Uhm, ehh, do lado de cá acho eu…” “Mas há uma ponte, ou não?” “Uhh, sim, a ponte sobre o rio Sor. “Ó Rogério, tens o nome de um famoso…” Interrompe o Luis. Esta até antecipei. “Sim, mas não tenho nada a ver com ele…” “Nem na cor?” “Muito menos na cor, sou mais para o vermelho. Verde, só o do Eléctrico de Ponte de Sor” Apontamento que me apresentou definitivamente, a puxar ao bairrismo, a assumir o benfiquismo à nação… Eheh, toma!
Depois da introdução, engraçada por sinal, chegou a hora de ouvir o diálogo… Tinha que identificar um estrangeirismo. O diálogo não foi dos mais felizes, já nem me lembro bem, mas a expressão xixi cocó foi utilizada abundantemente, o que por si só não abona a favor da composição… Mas enfim, a certa altura lá ouvi uma palavra estranha. Mas, não sei se foi pelo contexto no qual enquadrei o exageradamente adornado diálogo, percebi-a mal. “Epah, não estou a perceber… Parece-me stand, ou stunt, ou stant, não conheço este estrangeirismo.” Disse timidamente à procura de misericórdia. Entretanto ia pensando: “Porra, que na única vez em que consigo jogar vou-me espalhar ao comprido, que vergonha…” “Então ouve lá outra vez”, disse a benevolente Joana. Voltei a não perceber, “Ehh, uhh, pois… Deixa de me fazer… Stant? Não conheço, será perseguição ou assim, pelo contexto…” “Não, sabes aquelas mensagens no e-mail…” Foi então que um daqueles raios de luz reflectidos pelo espelho de água me acertou finalmente na mona e percebi. Interrompi gloriosamente: “Ahh! Spam. S-P-A-M. Spam!” tarara-ra-tarammm, ouviu-se a musiquinha a assinalar vitória. “Acabaste de ganhar o livro Rebeldes da não-me-lembro-o-nome-da autora-agora!” “Ok, obrigado. Queria só aproveitar para enviar muitos cumprimentos…” Muitos?! Quantos?” Interrompe o Luis, num tom jocoso. “Epah, pelo menos dois, para vocês. Um para o Markl, de quem sou fã. E para o pessoal todo aí. Vocês têm sido uma boa companhia nas minhas viagens pela manhã já há algum tempo…” ”Obrigada. E viajas muito?” “Sim, ando sempre fora de casa em trabalho.” E o que é que fazes?” Lá revelei a profissão e que já tinha estado no Algarve, Leiria e agora Lisboa. “Pois, és um nómada dos tempos modernos.” Concluiu o Luis acertadamente.””Pois”, respondi a suspirar. “Olha, então beijinhos, boa viagem.”Rematou a Joana. Respondi: “beijinhos e abraços…” Continuei então a jornada até mais um dia de lavoura: reuniões, decisões, chefes, subempreiteiros, donos de obra e demais intervenientes…
Foi um episódio engraçado, como giro foi também chegar à obra e o fiscal me dizer: “Epah, agora já és famoso, até falas pá rádio…” E eu tudo bem…

terça-feira, setembro 08, 2009

LISBOA, por entre as sombras e o lixo



Lisboa, Cais do Sodré:
Quando chega a noite
Com suas caras fugidias,
Olhos dilatados pelo assombro
Deixamos que a cidade nos invada,
Fantasma a embriagar-nos de luz e côr
Num sonho de mil e uma fantasias,
O desejo cruzando os neons
Em projecções plásticas...

O dealer roubou-me,
Levou-me a alma!
Rai's parta o dealer!

E se depois, ao acordarmos,
Acaso reparamos na escuridão que nos cerca,
No leve restolhar que vem do lúgubre canto,
Somos tomados por uma enorme letargia
Que nos deixa permeáveis
Ao frio da madrugada.
É então que as ratazanas,
Abandonando as trevas,
Ficam estáticas, silenciosas,
A verem-nos ir, equilibrando o passo,
Por entre as sombras e o lixo...

O dealer roubou-me,
Levou-me a alma!
Rai's parta o dealer!

Táxi!Casal Ventoso, se faz favor!


Adolfo Luxuria Canibal/ Carlos Fortes

terça-feira, setembro 01, 2009

De volta a Lisboa


As vicissitudes da vida laboral trazem-me de volta a Lisboa. Lisboa tem acontecido em mim de várias maneiras: desde a cidade enorme, visitada muito raramente em que as “guas” (gruas) e os semáforos eram o principal ponto de interesse e admiração, passando pela cidade enorme da qual o mapa mental surgia muito desfocado, na altura em que o jovem de 18 anos da província, inchado de moral, chegou para ser estudante e depressa se viu pequenino, insignificante e aprendeu a olhar por cima do ombro, a desconfiar. Mas onde cresceu também, onde se começou a projectar o homem (projectar - que adequado, mais um pouco e estou a utilizar vocábulos tipo alicerces ou fundações…). Nos anos de estudante fui aprendendo, para além das matérias, Lisboa. Fui aprendendo Lisboa. Inicialmente desconfortável e fria, suja e claustrofóbica, foi-se revelando com o passar dos anos cada vez mais maravilhosa e excitante. À medida que as descobertas aconteciam ia-me apaixonando por ela sem saber. Ainda eu verbalizava que não gostava de Lisboa e já gostava dela sem saber, contrariando-me. Depois, a vida nómada que iniciei quando abracei a profissão que me tem, levou-me de Lisboa sem que tivesse tido sequer tempo de me despedir. Abruptamente desci a A2 sem olhar para trás e só cá voltei esporadicamente, desde então.
Agora estou de volta e vejo-a de outra maneira… Por enquanto ainda é a nostalgia que me domina à passagem por certos locais onde, nos melhores tempos da existência dita normal, segundo dizem, passei, passeei, estudei, joguei, namorei, corri, bebi, vi, escutei, observei, admirei, cheirei, senti, enfim, vivi. É com um estúpido sorriso nos lábios que vou passando por onde passava distraído antes, com um objectivo, com um lugar para estar, onde alguém me esperava, onde algo acontecia, onde tinha que ir, fazendo agora o caminho a observar em vez de ver, a observar o que antes via apenas… (to be continued?)