segunda-feira, março 26, 2007

Salazar? Porquê? Como?

Fiquei chocado, indisposto até… Já tinha visto um ou dois episódios dos Grandes Portugueses. Tive a sorte, por exemplo, de ver o excelente trabalho sobre D. Afonso Henriques realizado pela Leonor Pinhão. Vi mais um ou dois excertos sobre o Infante D. Henrique, sobre o Álvaro Cunhal e não sei se vi mais algum…

Tinha ouvido dizer que Salazar e Cunhal estavam bem colocados nas sondagens e isso já me arrepiava, embora pensasse sempre que na hora H, havia de haver quem votasse num dos bons. Sim, porque entre esses dois… O ditador e o proto-ditador. O que oprimiu, segregou, amedrontou e o que lutou, é verdade, mas que tinha planos para fazer Cuba em Portugal. O que nos conservou agricultores atrasadinhos crentes em fantasmas e o que nos queria ver em filas de distribuição de ração. Enfim, entre os dois, venha o diabo e escolha. E se tiver mesmo que escolher, o diabo, que escolha o camarada que ao menos sempre ajudou a livrar-nos do outro diabo!

Ao mesmo tempo que lavava os dentes antes de ir dormir, dava por mim a ter vergonha de ser português, coisa de que habitualmente me orgulho, apesar de tudo. Depois, já na cama, tentava não dar importância à coisa. E arranjei desculpas… Desde as mais elaboradas às mais estúpidas… “Ah, quem votou no gajo foram uns quantos sangue-azul, que não se vão encarquilhar quando receberem a factura da PT e puderam fazê-lo incessantemente. Ok, então e o segundo lugar? Os operários não têm dinheiro para gastar em chamadas de valor acrescentado…” Aqui percebi que tinha roçado o abstruso, mas era reflexo do mau estar que a revelação da D. Maria Elisa me causou.

Depois confortei-me com a conclusão de que este resultado, não seria mais do que um reflexo da própria ditadura. Sim, foi por nos terem habituado a tanta repressão, a dependência dos que nos exploravam a seu belo prazer, que ainda hoje não conseguimos ser livres à vontade. A abrupta liberdade foi linda, poética, mas descambou num Portugal que hoje está sedento de liderança. E ouve-se amiúde: “Isto precisava era de outro Salazar!” Até arrepia…

Quem é o melhor português de sempre? A pergunta é difícil, muito difícil, mas se há respostas erradas, a que a maioria deu foi a mais errada de todas. Que ironia falar em democracia e maioria, quando se elege essa personagem… Primeiro, nem sei se será justo haver entre os nomeados individualidades do século XX. Será que terão a imortalidade de um D. João II, ou de um Marquês de Pombal? Não estou a ver uma estátua de Salazar ou de Cunhal ali no jardim do Campo Grande daqui a cem anos… Depois, comparar génios como o de Pessoa e Camões, visionários como o Infante e o Marquês, pacifistas como o Aristides, aventureiros como o Vasco da Gama é muito complicado… Abusador mesmo, reduzi-los a características estereotipadas, toldadas pelo mundo actual e pela maneira de entender os factos na contemporaneidade.

Há ainda uma questão que me preocupa e embaraça… O que pensarão de nós lá fora? Os portugueses escolheram o ditador que os espezinhou dezenas de anos, como o seu melhor de sempre… Coitadinhos, são masoquistas, ou a água que andam a beber tem qualquer substância psicotrópica?

Depois ainda pensei… Tanto que se escreverá nos jornais, o tanto que os blogues vão fervilhar, a rádio, a TV, todos vão ter algo a dizer sobre isto… E podem fazê-lo hoje livremente, que ironia outra vez. O próprio programa não existiria no tempo do outro.

Na mesma altura em que o CD do Zeca Afonso lidera as tabelas de vendas nacionais, houve quem elegesse Salazar o melhor português de sempre. Ironia outra vez!!! Há por certo quem tenha comprado o CD e votado no Salazar na mesma semana. Que leviandade… Só mesmo nós, temperamentais, impulsivos, enfim, latinos, para tal proeza. (Esta também podia ser uma desculpa, não era?!)

Muito mais me passou pela cabeça ontem à noite e hoje durante o dia, mas sinto que já dei relevância demais a este assunto que me entristeceu como nem eu estaria à espera…

quarta-feira, março 21, 2007

Primavera vs Poesia


O dia mundial da poesia é também o início da Primavera... Será coincidência? Ou será que quando alguém se dedicou a escolher o dia certo para a comemoração do dia Mundial da poesia, chegou à conclusão que o devia fazer coincidir com o Equinócio da Primavera. Para tal, lá terá tido as suas razões…

A Primavera é poética, significa um renascer… A vida terrestre manifesta-se como em nenhum período mais. (Aquecimentos globais à parte…) Acontece toda uma magia de transformações numa emergência de cores, cheiros (alergias também), enfim, sensibilidades que podem ser inspiradoras para muitos… Mas nem todos, aliás a maioria dos poetas gostam mais do sombrio, da noite, da frieza das desilusões e fracassos próprios. Do eu que sou um incompreendido neste mundo de absinto e outras substâncias.

Por outro lado, o dia do Equinócio da Primavera é supostamente aquele em que temos tantas horas de sol como de negrume. Há tanto de noite quanto de dia. Esta simetria terá tido alguma coisa a ver com esta escolha? Mas acontece precisamente o mesmo no Equinócio de Outono… E também, a simetria não será assim tão romântica, ou é?. Pode ser e não ser… É como tudo! Mas eu, qual violação de subjectividade, digo que não é. Eu se fosse poeta não me inspiraria no simétrico, ia mais pela desorganização, o que seria mais fácil, talvez. Poetas houve que primavam pela ordem nos seus partos artísticos. O número de sílabas métricas, o tipo de rima sempre com o mesmo esquema, etc., toda uma arrumação admirável. Camões nos Lusíadas é o exemplo final disto…

Como a Primavera, a poesia também pode ser um estádio, um período? Não me parece, a poesia é eterna e não cíclica, como a parceira com quem partilha o 21 de Março. A Primavera influencia e desencadeia sentimentos tal como a poesia. Mas a Primavera não deixa escolha, aparece e pronto. Enquanto a poesia só toca a quem se quer deixar tocar…

Enfim, é um exercício inglório este! Se calhar foi mesmo só coincidência, Primavera e poesia combinam de alguma forma, é certo. Mas poesia pode combinar com qualquer coisa e Primavera também. Encontrar paralelos e intersecções entre elas é uma questão de brincar ao jogo da argumentação, como levianamente tentei fazer...

Concluindo, gosto da Primavera, gosto de poesia e tenho de ir dormir porque amanhã, um dia em que alguma coisa se há-de comemorar por certo, é dia de trabalho.